Há muitos, muitos e muitos anos, ainda criança, cheguei em casa, mais uma vez, com um machucado novo. Espevitada como eu era, sempre trazia uma unha arrancada jogando bola descalça ou um joelho esfolado de um tombo levado. Fui recebida pela minha mãe. Eu sorria entre lágrimas e dizia: “tá tudo bem, nem tá doendo”. Bancando a forte desde tão pequenina.
Nesse dia, que me lembro como se fosse ontem, ela me abraçou e com aqueles olhos pequenos e esverdeados, respondeu: “você tem a centelha da alegria, até chorando consegue sorrir”. Naquela época, eu nem sabia o que era centelha, mas senti que era algo bom. Me agarrei a ela e me entreguei a um grande choro de alívio, enquanto ela lavava meu ferimento.
Minha relação com minha mãe sempre foi assim, de alívio, de liberdade. Nunca houve entre nós dificuldade em dialogar, medo de julgamento ou assunto que fosse tabu. Tudo era normal, tudo era da lei.
Foi com ela que aprendi a ser leve, a valorizar meu riso frouxo sem hora pra chegar. Aprendi a gostar de mim, tal qual eu sempre fora, pois ela sempre me amou incondicionalmente e demonstrava isso. Foi com ela, também, que compreendi que mulheres apoiam outras mulheres e que o mundo é um lugar duro para nós, por isso, precisamos ser firmes, mirar o horizonte e correr.
Mas, acontece que saí de casa cedo, no final da adolescência. Me tornei visita na minha própria casa. As coisas que ela me ensinou nunca se perderam, foram concretadas em minha mente. Mas, há uma coisa da qual sinto falta e que, por vezes, se ausenta de dentro de mim: o colo, o olhar e a segurança que ela me passava.
Um colo gigante que cabe o universo em expansão, ele cura as feridas mais profundas e sangrentas. Ele ameniza dores d’alma, herdadas de vidas passadas. Tem tanto amor nos olhos dela que a gente até consegue se amar, para ser digno do que ela oferece. Ela acredita tanto no ser humano que não aceita que nos sintamos menores, pois ela nos vê criaturas merecedoras do melhor. Esse amor sai dela, nos invade, nos preenche. Com ela a existência tem um aspecto de plenitude. A vida é mais vida ali, no seu colo.
Estar ao lado dela foi uma experiência inspiradora, dava vontade de ser mais gente, mais mulher. Minha mãe é assim, desperta o melhor de cada um. É impossível ser alguém ruim ao seu lado. Sua bondade e justiça contagia a todos.
A vida foi passando, quase 15 anos se passaram desde o dia em que saí de seu regaço e ainda sinto seu cheiro quando uma lembrança vem. Vivi intensamente, não me botei limites e fui batendo fronteiras no peito, indo longe. Fui tão longe, cheguei à maternidade, me vi mãe, sentindo falta de ser filha.
Maternar é entrega diária e constante, infrene. Foi com minha mãe que aprendi que há uma força sobre-humana que nos impulsiona depois que existe um ser que de nós depende totalmente. Tenho honrado o que ela me ensinou, sendo o colo que protege e o olhar que dá confiança e amor e, principalmente, buscando sempre espalhar a centelha de alegria que me foi entregue ao nascer.