É um momento estranho. Por vezes me sinto dentro de um sonho conduzido por uma substância alucinógena. Isso não pode estar acontecendo? Mas está! Sabe quando temos um pesadelo, ali dentro do universo onírico, há um feixe de consciência em nós, entendemos que não é real, mas de forma nenhuma conseguimos acordar? Bom, é isso que sinto.
Estamos todos em meio a uma pandemia que adoece e mata. Ela não escolhe credo, cor, mas, naturalmente, mata mais aqueles menos assistidos pela segurança que o dinheiro dá. Um ano passado já e ela segue matando, mutando, amedrontando.
Vivemos em um dos países, socialmente, mais desiguais do mundo. A peste já chega com mais força nas periferias, chega rápida onde nem a água é potável, imagina se o álcool é em gel. Chega certeira onde não há reservas no banco para se ficar em casa. Chega de assalto onde o Estado não vai.
Independentemente da posição social, há entre todos nós um sentimento comum: o medo. Todos têm medo. E muito! Por que medo é a coisa que nós, seres humanos, mais temos. Medo de ir. De vir. De deitar. De cair. De não sermos amados. De nunca poder amar. E agora, esse medo infinito, o medo de perder a vida. A nossa e a de quem a gente ama.
Além do medo de não conseguirmos sustentar nossas casas, considerando que o vírus circula no mesmo lugar onde ganhamos o pão que revolta, paralisa, desestabiliza.
Confesso que amedrontar-se é coisa que pouco senti. Nasci e cresci com muita ousadia e afrontamento. Mas, agora eu sou mãe, sou o sustento e o pilar de alguém, tenho medo. Mas, eu não quero me perder da vida, porque eu também sou colo para tantas mulheres. Eu quero ficar, sobreviver. Bem-viver com os meus.
Eu ouvi quando tocaram a primeira trombeta do apocalipse, era fevereiro de 2020. Ouço a segunda agora e eu não quero ouvir a música toda. Não insista! Não insista, nesse baile eu não vou dançar, não insista. Por que isso não é interpretação bíblica, é vida real.
E eu tô preocupada, eu sou mãe! Eu tô com medo, eu sou filha. Me preocupo com a cria que de mim se fez gente. E tenho medo por minha mãe, uma mulher já envelhecida. Me preocupo por saber que jovens negros morrem quatro vezes mais de covid que os brancos. Tudo me espanta, a realidade está assustadora.
É triste, é angustiante, olhar para o futuro e não conseguir saber quando ele virá. No horizonte, nada de sol se pondo, nada do sol nascer de novo. Vivemos nossas vidas buscando uma normalidade que não existe mais, por vezes sublimando a verdade para sobreviver.
A gente vai se apegando à vacina que não é comprada ou chega em quantidades mínimas: minha vez vai chegar. Acreditamos! E vai sim.
Segurando firmes em ainda ver a geladeira cheia no meio dessa imensa crise sanitária, econômica e sociopolítica. Agradecendo ao universo pelo mínimo.
Tentando ser gratos pela nossa saúde, com o peito rasgando de ansiedade. Tentando acreditar no amanhã. Tentando segurar a saudade dos nossos. Tentando não surtar. Tentando não chorar. Tentando...