Ouço cantar a Legião Urbana: “Nos perderemos entre monstros / Da nossa própria criação / Serão noites inteiras / Talvez por medo da escuridão”. Essas imagens ilustram um tanto estes tempos em que sombras de toda sorte parecem se adensar como embriões de possíveis pesadelos coletivos. Poderes extremos e desprezos pela vida se conjugam aqui, ali e acolá, e cá ficamos, abalados por dentro e por fora, amargando o fel da desesperança.
Enquanto isso, no espelho celeste, Plutão, regente das profundezas, adentra pela terceira e definitiva vez o signo de Aquário na próxima terça-feira (19/11), para uma jornada de 20 anos. Só se fala nisso no meio astrológico, por se tratar de um novo ciclo envolvendo as purgações e transformações relativas a Plutão. É o astro mais distante e mais lento, agora a repetir em sua órbita a mesma posição que atingiu entre 1777 e 1798.
Pelo impacto duradouro dos fatos históricos daquela época — da formação dos Estados Unidos como nação e modelo de democracia, em 1776, à Revolução Francesa, em 1789 —, podemos esperar outras grandes mudanças para esta nova passagem do astro pelo signo das ideologias e das utopias. O espírito aquariano, gregário e libertário, será desafiado. Se urge uma maior consciência planetária, principalmente em questões ambientais, será preciso antes — ao modo plutoniano de expor o oculto — lidar com o que nega a vida.
Ou seja, antes de alguma utopia inspirar saudáveis mudanças coletivas, será preciso encarar as ameaças de distopias. Bem diferente da visão fofa propagada pelos hippies e pelo musical Hair, Aquário não significa somente tribos reunidas em amistosa celebração de pacíficos ideais de futuro. É um signo fixo, dado a radicalismos, que podem se intensificar pela natureza instintiva do visitante Plutão.
Não basta um astro entrar num signo para que o melhor desse potencial se instale como tendência mundial. Em se tratando de Plutão, antes da cura transformadora deve haver o catártico confronto com os aspectos destrutivos, no caso, tudo o que impede a integração das partes do complexo social aquariano. Devemos, assim, nos preparar para viver, inicialmente, etapas mais duras dessa travessia.
A astróloga norte-americana Tracy Marks explica bem o processo transformador plutoniano: “À medida que Plutão libera energia dentro de nós, libera primeiro a que considerávamos energia negativa — raivas, desejos frustrados, ódios, ciúmes —, todos os venenos que obstruem nosso centro e que se tornaram deformados e distorcidos porque se acumularam sem a luz da consciência e da aceitação”.
Segundo a autora, após a correção de tais distorções — ou desumanidades, no dizer aquariano —, “a energia que se libera com esses sentimentos se transmuta; estará agora disponível para outros propósitos”. Não foi à toa que Plutão, também conhecido por Hades, deus do mundo inferior, ganhou a condição de senhor dos mortos. Nada se renova ou purifica sem algum purgativo “estágio no inferno”.
E cá estamos, com medo dos monstros de nossa própria criação. Como na canção, ficamos acordados noites adentro, entre muitas perguntas: “Será só imaginação? / Será que nada vai acontecer? / Será que é tudo isso em vão? / Será que vamos conseguir vencer?”. Sim, parece que o sinal está fechado, outra vez, para sonhadores, humanistas e utopistas. Mas uma coisa é certa: por algum ancestral mistério, quando a escuridão se adensa é quando a luz se torna irrefreável. Não devia ser assim, mas é: quando perdemos algo é que percebemos seu valor soberano. E isso é muito plutoniano também.
Então, que a gente não precise sofrer muito para reaprender sobre respeito, tolerância, união e paz e praticar o humano dom de conviver com as diferenças. E vale lembrar que, no aquariano mito da Caixa de Pandora, após a liberação de todos os males, restou aos humanos a esperança. Com ela, sigamos adiante.