Quando terminei de assistir, entre lágrimas, à excelente série Betinho – No Fio da Navalha, em cartaz na Globoplay, fui logo pesquisar o mapa astrológico do famoso sociólogo mineiro. Costumo fazer isso, pela curiosidade de identificar no mapa natal padrões planetários associados a certos traços marcantes da pessoa retratada. Achei Betinho muito aquariano, mesmo sabendo que ele nasceu com o Sol em Escorpião — e daí ele mesmo se dizer experiente em sobreviver, tendo lutado contra a morte desde criança. Não encontrei o horário de nascimento dele, mas, pela data, 03/11/1935, lá estava a Lua em Aquário, com o Sol oposto a Urano, regente de Aquário. Era o que bastava para ele ter sido como foi: intensamente movido por ideais de liberdade, justiça social e fraternidade.
Que grande brasileiro! E aqui falo em grandeza como a qualidade humana de fazer-se maior que o comum pela doação aos outros. Num mapa astrológico, quando os planetas para além de Saturno — Urano, Netuno e Plutão —, ligados ao coletivo, formam ângulos com astros como o Sol ou a Lua, os temas mais amplos praticamente se impõem na expressão individual. É como se a pessoa fosse fisgada pelos rumos coletivos, podendo ter destaque nas transformações sociais. Foi o caso de Betinho, com Urano ativando Sol e Lua. A história dele funde-se com impactantes contextos da história do Brasil.
Nascido Herbert José de Souza, Betinho cedo se engajou nas lutas sociais. Mais que um sonhador visionário, era um ativista. Nos anos rebeldes sob a ditadura militar, Betinho agiu na clandestinidade, junto a trabalhadores nas fábricas. Até que a repressão política aumentou, e ele teve que partir para o exílio. Quando pôde retornar ao Brasil, em 1979, já era conhecido de todos pela citação na canção O Bêbado e a Equilibrista, tornada hino da anistia. Sim, ele era o “irmão do Henfil”, um dos tantos que partiram “num rabo de foguete”. Aliás, o cartunista Henfil, outro libertário, era um legítimo aquariano, também regido por Urano.
A seguinte afirmação de Betinho ilustra bem o espírito aquariano: “O desenvolvimento humano só existirá se a sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais: igualdade, diversidade, participação, solidariedade e liberdade”. Da década de 1980 até sua morte, em 1997, Betinho lutou por esses ideais, fosse a volta da democracia, a reforma agrária, os direitos dos indígenas e o combate à fome. Foi ele o condutor da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, que, longe da esfera governamental, arrecadou alimentos para os carentes. Por conta de sua condição de hemofílico, junto com os irmãos Henfil e Chico Mário, contraiu o vírus da Aids em transfusão de sangue e teve que estender sua luta também em prol dos infectados, num tempo de preconceito extremo e descaso dos poderes oficiais.
A série, baseada nas memórias de Betinho, é irretocável. O gaúcho Júlio Andrade mais uma vez prova seu talento gigantesco, no papel principal. Em tempos individualistas e de radicalismos ideológicos a desumanizar os diferentes, é inspirador evocar um brasileiro que fez da compaixão e da inclusão um propósito de vida maior que as próprias necessidades. A série mostra também a consequência pessoal disso, como a falta de atenção à própria família.
De tão tocado, eu chorei em todos os oito episódios. Ah, como precisamos de mais gente como Betinho! Consola perceber que as sementes que ele lançou estão aí, aqui, acolá, viajando nos ventos de Aquário, germinando nos caminhos.