Faz todo sentido a celebração do Dia dos Namorados na véspera do dia dedicado a Santo Antônio. Aqui pelas bandas do hemisfério sul, é pouco divulgada a história do casamenteiro São Valentim, que deu origem ao Valentine’s Day entre as culturas do norte, celebrado a 14 de fevereiro. Mas entre nós, brasileiros, é por demais conhecida a mediação de Santo Antônio no mesmo assunto. Quando buscaram uma data coerente, com fins comerciais, os publicitários criadores do nosso Dia dos Namorados acertaram em cheio no 12 de junho.
Embora tal data tenha sido definida somente em 1949, já havia por aqui uma longa tradição popular de endereçar pedidos afetivos a Santo Antônio. Isso reporta à própria formação cultural do Brasil sob o comando português. Afinal, um dos santos mais populares do catolicismo nasceu em Lisboa. O poeta Fernando Pessoa, numa quadra ao gosto popular, situa em Portugal essa tradição casamenteira: “Santo Antônio de Lisboa / Era um grande pregador / Mas é por ser Santo Antônio / Que as moças lhe têm amor”.
Numa sociedade patriarcal, em que o papel da mulher só era destacado no casamento, o medo de ‘ficar para titia” atormentava as moçoilas, que se dirigiam ao santo em práticas nada ortodoxas. Sim, as rezas para encontrar marido envolviam simpatias e “torturas” à imagem do santo. Valia “enforcá-la” ou dependurá-la de cabeça para baixo, “afogá-la” num poço e até sequestrar o Menino Jesus e só devolver quando o pretendente aparecesse. No Brasil, forjado nas misturas e avesso a ritos oficiais, o “papo reto” com o santo se sofisticou.
A Lua astrológica, que representa o povo no mapa natal de um país, estava no ambivalente signo de Gêmeos no instante histórico da independência. Mais: estava em conjunção com Júpiter, astro das leis e das religiões. Essa potente configuração vai envolver do sincretismo religioso à leveza nacional, do famigerado jeitinho à tendência de buscar caminhos alternativos para a realização dos desejos. Quando formulou a teoria do tipo brasileiro que chamou de Homem Cordial, o historiador Sergio Buarque de Holanda falou também da elástica e insubmissa relação com o divino.
Para Holanda, nosso velho catolicismo “permite tratar os santos com uma intimidade quase desrespeitosa e que deve parecer estranho às almas verdadeiramente religiosas”. Trata-se de uma transposição para o sagrado do horror à distância que marca o espírito brasileiro. O Homem Cordial gosta de ter o coração presente em tudo. Gosta de proximidade e de diminutivos que a reforcem. Quem nunca ouviu alguém falar na fé em “Santo Antoninho” ou “Toninho”? Ou em “Cidinha” – Nossa Senhora Aparecida?
Há um filme nacional maravilhoso, A Marvada Carne, dirigido por André Klotzel em 1985, em que Fernanda Torres interpreta uma interiorana dos cafundós louca para casar e que explora bem todas as simpatias em torno de Santo Antônio. Hoje, em tempos de afirmação do feminino e de conquistas sociais das mulheres, será que ainda há quem recorra a Santo Antônio em busca de casamento? Será que ainda cabe o pejorativo “ficar para titia”?
Religiosidade à parte, pode ser que as simpatias amorosas de junho estejam em baixa, somente lembradas como expressão folclórica em almanaques como este. Aí a celebração do amor fica restrita ao comércio, com suas vitrines recheadas de corações e anjinhos alados. E assim perde o amor um tanto de seu encanto, de sua sacralidade profana. E perde o Brasil uma doce fatia de sua graciosa ingenuidade. Ei, querido Toninho, não vais fazer nada?