Vento de maio no sul é outonal. Vento geladinho, desses de apertar o casaco e guardar-se mais dentro de si. Vento oposto ao primaveril de maio no hemisfério norte, que é de abrir a camisa e deixar o peito inflar-se de uma quentura sutil. A vibração do signo de Gêmeos se espelha nessa percepção da dualidade das coisas, em contínua alternância, evidente já no ato primordial e vital de respirar. Ar que entra, ar que sai, ar tomado do meio e a ele devolvido em outra composição. Gêmeos é o quente e o frio, o interno e o externo, a se cambiarem num eterno movimento. Uma instância precisa da outra, para que o necessário fluir – garantia de vida – aconteça.
A consciência desse fluxo resulta do humano dom de pensar, em que um aparato mental codifica internamente as percepções físicas. Noutra direção, a mente oferece também a consciência do próprio ato de pensar: penso e percebo que penso. E aqui já se desenha o campo de observação do signo de Sagitário, oposto a Gêmeos no zodíaco, onde inventa-se a filosofia para inquirir sobre o ser e o estar no mundo. A Gêmeos cabe experimentar a inquietação de desdobrar cada expressão da vida em seu duplo, tentando traduzir um mundo no outro: o dia na noite, o ontem no amanhã, o céu na terra, e por aí vai.
Quando Gêmeos está ativado em nosso céu natal pela posição do Sol, da Lua, de outros astros em aglomeração aí ou por aparecer como signo ascendente, a dúvida será uma ferramenta cognitiva que, ao buscar uma manifestação oposta ou diferente, criará outras vias de expressão. A dúvida geminiana, bem ao sabor da dialética espontânea do signo, oscilará entre a delícia e o tormento. É uma maravilha não ter certezas prontas e estar-se aberto ao aprendizado, podendo mudar de direção, feito o vento. Mas – ai, que chato! –, ninguém merece sofrer a insegurança de não saber direito o rumo certo a seguir. E no embalo desse vento gerador de dúvidas, resta a Gêmeos levar a vida feito uma brincadeira.
Vamos, então, a uma brincadeira que melhor ilustre essa dinâmica. Vi uma tirinha do artista argentino Max Aguirre, que costuma se desenhar como personagem, em que ele aparece, de mãos ao alto, diante de três homens armados a intimá-lo: “Vamos, vamos, entrega todas as certezas”. No quadrinho seguinte, ele revela: “Outra vez me assaltaram as dúvidas”. Gêmeos aparece aqui tanto na troça de roubar as certezas como na de levar ao pé da letra a expressão que fala do sofrimento mental causado pela dúvida. Tudo o que diz respeito a linguagens fascina Gêmeos, em seu afã de traduzir universos pela comparação.
Ilustro Gêmeos também com a notícia de que Maria Bethânia foi eleita imortal pela Academia de Letras da Bahia. À cantora geminiana nunca bastou cantar. O que a move é a exploração diversa da palavra tanto na interpretação dramática musical quanto no recitar de textos literários. Embora não seja autora de obras que a referendem como membro de uma academia de literatos, Bethânia fez-se mensageira popular da literatura de língua portuguesa.
Eu mesmo conheci a poeta portuguesa Sophia de Melo Breyner Andresen pelas citações de Bethânia no disco Mar de Sophia. De Guimarães Rosa a Fernando Pessoa, a fina flor do Lácio viceja na voz da baiana.
Ah, vento de maio, fresco no sul, morno no norte, teu aviso é de mudança de estação. Vento geminiano de transição, por ora teu recado é de que eu me feche melhor dentro do casaco, dentro de mim. E brinque de comparar a estrelas, feito um céu no chão, o tapete de folhas secas do caminho.