Como prometido, volto a refletir, ao sabor dos leves ventos geminianos, sobre as duas versões da novela Pantanal. Entre os dois personagens conectados por uma mágica metamorfose em animais, Juma Marruá virando onça e o Velho do Rio virando sucuri, arrisco considerar o segundo mais impactante em nossos dias. É o oposto do que ocorreu na primeira versão, em 1990, quando a mulher-onça roubou a cena.
Lembro-me de ver Cristiana de Oliveira, intérprete original de Juma, com seu olhar felino e espingarda em riste, estampar a capa de várias revistas que tentavam explicar o fascínio da novela. Já o Velho, interpretado pelo mesmo Claudio Marzo que vivia José Leôncio, com uma pouco crível barba postiça, talvez fosse apenas interessante. E não fundamental, como agora, quando sua figura já inunda a internet em páginas e memes filosóficos.
Há varias pistas dessa minha impressão nos mapas astrológicos das estreias das duas versões da novela. Começo pelo destaque a Juma em 1990. Naquele mapa, Vênus em Aquário estava em bom aspecto com a fogosa Lua em Áries, indicando um feminino livre e de “sangue quente”. Já a tensão de Vênus com o instintivo Plutão conectava o feminino a conteúdos psíquicos mais arcaicos. Eis aí uma face do arquétipo da mulher selvagem!
Virar onça quando estivesse com raiva seria uma perfeita tradução dessa imagem. Um erotismo natural também cabia ali. E uma das marcas da primeira Pantanal foi sua intensa carga sensual, vertida em comuns cenas de nudez e sexo – o que não ocorre na versão atual, mesmo que se tenham passado 32 anos de muita liberação nos costumes e de afirmação do feminismo. O que houve? Regredimos?
Ora, limites e repressões são associados a Saturno. Em 1990, em seu próprio signo, Capricórnio, Saturno recém tinha feito uma tripla conjunção com Urano e Netuno. Eram tempos de dissolução de fronteiras e de aberturas, vide o que ocorria na Alemanha e na União Soviética. Novas conexões mudariam o mundo para sempre, como a emergente internet. Ainda que tensos, os ventos eram de mudança. O feminino reativo encarnado por Juma em 1990 logo faria sintonia a um livro hoje clássico: Mulheres que Correm com os Lobos: Mitos e Histórias do Arquétipo da Mulher Selvagem, de 1992.
Já em 2022, o mapa da nova versão de Pantanal mostra o frio Saturno em conjunção exata com Vênus e a Lua. Isso depois de o planeta repressor ter feito, em 2020, uma tripla conjunção com Júpiter e Plutão, coincidindo com o ápice de uma onda conservadora e reacionária. Sim, regredimos. Além de muitas repressões, como a sexual, tais encontros costumam coincidir com intensa oposição à natureza – e também com a reação desta ao que a ameaça. Pronto: eis o contexto perfeito para o Velho do Rio brilhar!
A própria imagem de um velho é tradicionalmente associada a Saturno. Somada a imagens plutonianas do mais primitivo em nós, chegamos ao simbolismo da serpente como guardiã do impulso primordial de vida. As sucessivas trocas de pele da serpente reforça sua mítica associação a processos de cura e regeneração. Na novela, a sucuri, réptil de sangue frio e cobra gigante da fauna brasileira, funde-se ao velho sábio como força da natureza a corrigir os desatinos humanos e a reconectá-los a uma verdade tão pessoal quanto cósmica.
Assim, o Velho do Rio soa como um mentor a nos guiar nessa urgente jornada de reconexão com o curativo impulso de vida em todas as nuances. E convenhamos: a interpretação de Osmar Prado é muito superior à do saudoso Claudio Marzo.