Caxias do Sul, julho de 2003. Com investimento de R$ 400 mil, o primeiro edital do então Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística (FundoProCultura) financiava 31 projetos. Entre eles, o primeiro CD da banda Cabaret Hitec, a revista Invertebrado e o livro Noite e Música na Obra de Drummond, do Eduardo Dall’Alba. Sete Dias noticiou na capa, em reportagem de Janaina Silva.
Ah, e no mesmo edital também fui contemplado por conta do curta-metragem Uma certa noite vazia, produzido a partir de um conto que escrevi e publiquei em janeiro de 2003, no Pioneiro. Pois é, há 20 anos. Mas hoje o papo é sobre a Invertebrado.
Pra quem não sabe, a dita revista de cultura (porta-voz da cena vigorosa que havia em Caxias no início da primeira década do marco zero de um novo milênio), nasceu de uma forma muito despretensiosa. Numa dessas conversas de bar, desses de luz baixa, música ruim, mesa de sinuca e cerveja em baldinho.
— E, por que não, uma revista?
— Mas tem de ser uma bem massa, né, meu.
— Vamos fazer?
Pois é. Eu disse que tinha sido despretensiosa, que brota desse encanto juvenil por atirar-se de um precipício só pela diversão da coisa, sem saber o tamanho da queda.
Quando a coisa ficou séria mesmo, quando encontramos viabilidade financeira, por meio do FundoProCultura, aí começaram a rolar as primeiras reuniões de pauta. Éramos três editores: Cristiano Baldi, Marcelo Mugnol e Zé Benetti. Uma das seções se chamava Desossando e, de fato, era isso que fazíamos com o entrevistado.
Desossamos gente como a caxiense Diana Domingues, uma das artistas multimídia mais importantes do mundo, o inclassificável Millôr Fernandes, de uma só vez a trinca do rock gaúcho, Júlio Reny, Frank Jorge e Egisto Dal Santo, e o poeta marginal Glauco Mattoso, desossado pelo também poeta marginal Guto Nesi.
E pela diversão caímos de cabeça nessa bagaça, por vezes, até regada a cachaça. Daqui do centro do mundo, da Pérola das Colônias, tínhamos a despretensiosa pretensão de mostrar a produção daqui e lançá-la num universo do outro lado do Mampituba, ao mesmo tempo em que víamos a urgência em trazer de fora algumas referências.
Alguém aí lembra da banda Gurias do Apartamento?
Entre os parceiros que encontramos pelo mesmo caminho, nessa cidade oblíqua como é Caxias, tivemos a honra de contar com o talento ilustrado da Vivi Pasqual, com o olhar inquieto dos cronistas-poetas Marco de Menezes e Dinarte Albuquerque Filho e do cara que é uma enciclopédia cinematográfica Márcio Schenatto.
Mais divertido do que produzir e ler a revista depois da histeria de compartimentar tudo, acredite, era planejar as festas de lançamento. Numa delas, no extinto Revival Rock Bar, ali na Júlio de Castilhos, levamos a Cabaret Hitec e a Vulcanianos pra tocar e teve ainda discotecagem com os DJs Mono e Spider. No telão, trechos de filmes lado B e clássicos do cinema, em cenas soturnas, libidinosas, dóceis e ácidas. Não necessariamente nessa ordem.
Ah, e pensar que o abre alas da festa foi um terrorismo poético em tom de cortejo fúnebre, com mise en scène do Zé e o Guto Basso tocando acordeom, enquanto os atores caminhavam pela Júlio carregando um caixão com um esqueleto dentro.
Outros tempos, baby.