Títulos nem sempre são de todo verdadeiros. Por vezes somos fisgados por eles, como quem se permite trilhar um caminho sedutor, mesmo sabendo que haverá mais tropeços do que afagos. E não falo apenas de títulos de crônicas, artigos e reportagens. Isso também ocorre com as capas dos livros. Algumas nos causam uma espécie de arrebatamento transcendental, contudo, depois dos primeiros versos ou parágrafos lidos, por vezes se liquefazem por decepção. Enfim.
Nunca contabilizei os livros que já tive, li, reli ou tenho em casa. Carrego-os por onde vou e, de certa forma, nunca me sinto sozinho ou desamparado. Porque sempre haverá estórias e histórias, em verso ou prosa, e mesmo que tudo misturado, a servir de escape da realidade, como se atravessasse um portal a cada virada de página. Em parte, é verdade que tenho mais livros do que amigos. O mesmo poderia dizer caso a sentença fosse proferida no passado distante esculpido em pretérito perfeito.
Porém, visto por outro ângulo, e sempre haverá mais de um ponto de vista — mesmo que à contragosto dos conspiradores de aluguel — não é uma informação precisa que tenho mais livros do que amigos. Porque cada livro nasce da mente de um autor, seja acadêmico ou profeta, versejador ou velejador, da mais alta cultura ou da mais profunda ralé, e quem nunca leu um subversivo, um anarquista ou um padre catequista? Alguns desses autores eu conheço tão bem, e queria conhecer melhor ainda, como se fossem amigos que eu encontro vez ou outra ali no balcão do Zarabatana.
Eu poderia jurar que consigo enxergar Fernando Pessoa encarando a mais densa madrugada em profundo desassossego e desatino, tentando domar Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis — só pra citar três de seus heterônimos —, enquanto escrevia “O que há em mim é sobretudo cansaço / Não disto nem daquilo, / Nem sequer de tudo ou de nada: / Cansaço assim mesmo, ele mesmo, / Cansaço”.
Ou ainda, Ferreira Gullar, exilado em Buenos Aires, em 1975, sozinho e desempregado, tentando escrever em versos a sua trajetória, desde a infância em São Luís do Maranhão. Dito por ele (e parece que o vejo dizendo isso encarando meu olhar curioso: como se ele pudesse “descer nos labirintos do tempo para talvez, quem sabe, encontrar amparo no solo afetivo da terra natal”.
Sem falar nos personagens (reais ou fictícios) que habitam e coexistem em obras dos mais diversos gêneros textuais. Por meio desse manancial infinito de enredos e poéticas, posso adentrar em florestas, castelos, casebres, bares, lares, cidades, colônias em qualquer país que puder ser descrito ou até inventado, como a Macondo, de Gabriel García Márquez, ou a Oaio do Sul, de Paulo Ribeiro.
Aos amigos que cultivo com carinho, um brinde e um abraço do tamanho do sentido da Literatura, que é infinita posto que nem a chama ardente destrói os laços tecidos em prosa e verso.