No final das contas, lá no dia do Juízo Final de cada um diante da sua morte, vão servir de que as mil e uma noites mal dormidas? Penso nisso enquanto deslizo o dedo indicador sobre a tela do celular, tentando esquivar-me do coachismo (ato ou efeito do coaching) e suas milagrosas leis, dicas e lições sobre carreiras em calçadas de ouro e salário infinito.
Infinita no caso, só a hercúlea guerra contra as mortes que soterram gerações para o infinito e além. Uns matam suas proles, porque se trata de um perverso plano pra dizimar futuros. Outros, talvez ainda mais sarcásticos, constroem redomas pra limitar, cercear e controlar até aonde vai o destino da humanidade, como se fôssemos cães que vivem acorrentados pra não romper barreiras, desistindo até de latir.
E tem quem use a metáfora do cão acorrentado misturado ao poema de Camões, fora de compasso e descontextualizado, pra colorir carreiras promissoras ao estilo coach do futuro com tripla sala na 5ª Avenida, em Nova York. Duvida? Pega aí o poema e tenta lê-lo dentro do modus operandi do coach de quinta categoria: “É querer estar preso por vontade;/ e servir a quem se vence, o vencedor;/ é ter com quem nos mata, lealdade”. Pobre Camões. E antes que pensem que inventei, é verdade isso daí.
O amor em tempos de coachismo é produto que corrompe metáforas, acorrentando-as em dicas pasteurizadas pra monetizar nas redes sociais. Monetizar é preciso, já diria o corrupto poeta de quinta categoria que viraliza tendências de moda como quem escreve versos piedosos, cândidos e clementes como se alcançasse a iluminação de Buda, Jesus ou Moisés.
Sou um cara com alma velha, que ainda insiste na leitura de livros de papel, desses que molham com a chuva e são impossíveis de se estender no varal, e duvida da própria sorte como quem perdeu a vida apostando em cavalos e toda discórdia de um sem fim de jogos de azar. Mesmo assim, dia desses, sentado num desses cafés de shopping, deparei-me com uma mulher loira que, de dentro da joalheria mais cara da cidade, olhava-me profundamente como quem disseca a alma.
Sem julgamento de valor, o que pensei ser um olhar 43 era, na verdade, o olhar de coach que tudo vê, como se eu estivesse no shopping mais vigiado do Brasil. A referida moça, dei-me conta depois, era a Gisele Bündchen, cuja foto estampa o interior da joalheria. Na publicidade, quase tudo é verdade. De fato, a Gisele não parava de fitar-me. Parcialmente verdade, porque a fotografia dela usa o recurso de seguir o olhar de quem a observa, mesmo que de soslaio.
No dia seguinte, na mesma poltrona, tive o mesmo desalento. Era e não era a Gisele. Da mesma forma que o poeta que verseja o amor como desculpa pra monetizar, colocando em prática a preciosa dica de última hora do coach do último minuto, a publicidade segue despertando encantos que a maioria de nós nunca poderá consumar.