Eu sonhava com projetos cinematográficos quando fui acordado com a notícia que bateu como um soco na cara.
— O Cristian Rigon morreu.
Nocauteado, não consegui levantar da cama. A primeira reação é sempre negar a morte. Sempre. Não importa se é um amigo, irmão, pai, mãe ou conhecido distante. A ficha só caiu quando vi o anúncio fúnebre no site da L. Formolo.
Ainda atordoado, levantei da cama, fui até a janela e vi uma densa neblina sobre Caxias do Sul. Ainda incapaz de compreender como e porque isso aconteceu, passei a fisgar da memória um sem fim de lembranças. E a primeira coisa que me ocorreu é que o Cristian era um dos caras mais divertidos que conheci. Ele tava sempre com uma carta na manga pra rir de ti e fazer piada com tudo que acontecia à sua volta.
É dor de luto que vem com essa notícia, mas, ao mesmo tempo, há tanta recordação que pouco importa a causa mortis, porque vivi a melhor adolescência ao lado desse cara. De bate-pronto, tratei logo de colocar pra rodar um disco que foi revelador pra gente e parceiro das nossas divagações musicais: Machine Head, do Deep Purple.
Boa parte da nossa história aconteceu na Rua Tibouchinas, no bairro Cinquentenário, logo ali, atrás da AABB. Somos fruto da geração MTV, nos anos 1990, mas estávamos ainda conectados com o hard e heavy metal dos anos 1970. O Cristian queria tocar cada nota, cada arpejo, decifrar o pensamento do Ritchie Blackmore, guitarrista do Purple, enquanto que eu seguia a mesma cartilha, mas com a linha de baixo do Steve Harris, do Iron Maiden.
Passávamos horas, estudando, geralmente na casa dele. Essa era a melhor parte de sermos vizinhos. Fora o fato de que, quando conseguimos montar uma banda, ensaiávamos na garagem (santa paciência da sua mãe — porque a barulheira era intensa). Tivemos mais formações, trocamos mais de integrantes e de nomes de banda do que sucesso. Nessa fase, ainda queríamos tocar músicas que nos desafiassem enquanto instrumentistas.
Com a influência do Marcos De Ros, seu professor e parceiro de piadas infinitas, o Cristian foi praticamente seduzido pelas composições neoclássicas do Yngwie Malmsteen. E logo a seguir veio o interesse do Cristian (e sempre com foco em decifrar nota por nota) de caras como Jason Becker, Steve Vai, Paul Guilbert, Ritchie Kotzen, John Petrucci e por aí vai, a lista é sem fim.
Logo ali, na fase adulta, e já estamos falando do final dos anos 1990, o destino nos reservou caminhos distintos. Eu abandonei a música, e parti pra faculdade de Jornalismo. O Cristian fincou sua bandeira na música. Depois de servir o Exército, e talvez motivado pelo que viu e conheceu lá de dentro, resolveu estudar História na UCS. Mas a música era o leme que conduzia sua vida. Sempre foi, aliás.
Passei hoje mesmo pela Tibouchinas e posso jurar que ouvi uns arpejos em lá menor ressoando dali do segundo andar, na sala onde ficava a TV sempre ligada na MTV (a de verdade, não essa que ainda resiste, perdida em si mesma), e com o 3 em 1 tocando as músicas das bandas que admirávamos, e, em nossa ingenuidade juvenil, queríamos ser quando crescêssemos.
Agora vou ali trocar de som. Sai o Purple e entra um velho blues dos anos 1950, que te apraz mais nessa jornada ao infinito e além. Até mais, meu amigo.