Li em GZH: “Terra gira cada vez mais rápido e tem o menor dia já registrado, aponta estudo”. Em conversas de botequim, no elevador, em salas de reuniões e, por aí vai, já se sabia disso muito antes de os cientistas atestarem o fenômeno com suas máquinas atômicas e superpoderosas. Numa crônica em 1912, o antológico João do Rio escreveu: “Evidentemente nós sofremos agora em todo o mundo de uma dolorosa moléstia: a pressa de acabar”.
Corre o texto e ele segue a nos provocar, 110 anos depois: “Dar tempo ao tempo é uma frase feita cujo sentido a sociedade perdeu integralmente. Já não se faz nada com tempo. Agora faz-se tudo por falta de tempo”. Nessa crítica à batalha ferrenha contra o relógio, João questionava inclusive sua profissão: “Vede o jornalista. Dispara por essas ruas aflito, trepidante, à cata de uma porção de fatos que em síntese, desde o assassinato à complicação política, são devidos exclusivamente à pressa de acabar”.
Em meio à vertigem dos dias acelerados e das noites mal dormidas — porque, quando se deita nem sempre é para descansar e, sim, para refletir sobre o que foi e planejar o que está por vir —, encontro na crônica, esse gênero no meio do caminho entre a reportagem e a literatura, uma espécie de oásis ou portal para escapar das exigências e da sina do tempo. “Essa pressa de acabar”, a que se refere o João, e encontrada em diversos outros autores que nos conduzem a refletir sobre o que fazemos com o tempo que nos é dado, é a grande questão do nosso tempo.
Saltando de 1912 para 1999, o jornalista caxiense Jimmy Rodrigues publicava a crônica Urbe, no jornal Pioneiro. No texto, Jimmy traçava um paralelo entre as ruas do passado e as do presente: “Em Caxias do Sul, diversas ruas antigas destinavam-se a carroças e a cavaleiros. Hoje, estão tomadas pelos veículos, continuando com o mesmo espaço, a mesma largura de outrora”. Uma simples observação, mas que traduz em dimensão filosófica o desapreço que temos pelo sentido do tempo em nossas vidas. Nessa “pressa de acabar”, acabamos tapeando, remendando, fazendo de conta que resolvemos as questões mais urgentes.
Logo mais à frente, na mesma crônica, Jimmy ironizava um futuro em que haveria o que ele chamou de “Total Congestionamento”: “Todos os espaços das vias públicas, dos acessos e das saídas, serão tomados pelos carros”. Nesse aspecto, ainda não enfrentamos o caos do trânsito de São Paulo, mas estamos perto, apesar da crise e da menor venda de carros. Exagero ou não, Jimmy profetizava: “Como uma enchente avassaladora, os carros tomarão as calçadas, as praças, os estádios de futebol”. (...) “Será um dilúvio de metais sem arca, impedindo o acalento de uma esperança de recomeço”.
Quem assistirá a essa tragédia? Talvez meus filhos. Passam os anos, as décadas, os séculos e a metáfora da arca ressurge, ora com mais força, ora de um jeito debochado. Penso que, tomados por essa “pressa de acabar”, acabamos sempre apostando todas as fichas na tal “esperança de recomeço” e perdemos tempo ao não resolver o que realmente importa aqui e agora.