Há quem acredite no poder transformador da palavra. Um desses abençoados é o escritor Valter Hugo Mãe. Na adolescência, o jovem Valter leu A Metamorfose, de Frank Kafka. Mesmo quem nunca leu o dito livro, conhece decor pelo menos a primeira frase: "Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa encontra-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso".
Essa metamorfose pela qual passa Gregor Samsa é a metáfora dessa transformação pela qual Valter Hugo acredita que todos estamos suscetíveis a encarar. Talvez soe mais fácil acreditar no que ele diz, porque, a partir dessa imersão na obra de Kafka, ele resolveu depurar literatura a partir da vida. Sonhava, antes de tudo, em ser poeta, mas o caminho da prosa se impôs. Em resposta a essa guinada, disse: "A gente tem que aprender a ser o que é".
Cortando a couve-flor, a cebola, os pimentões, a cenoura, a vagem e os brócolis, fiquei refletindo no poder transformador da palavra. E, afinal, qual o valor do "eu te amo"? Enamorados repetem dia e noite, trocam mensagens com coraçõezinhos e figurinhas que só faltam ter perfume para emoldurar o amor. Pais e mães repetem à exaustão aos filhos, sejam recém-nascidos ou bem crescidos. Em filmes, séries e novelas há um sem fim de cenas em que os personagens dizem eu te amo.
Só é transformador dizer e ouvir essa declaração, no entanto, quando realmente se tem a compreensão do significado do amor. Se não, é só mais uma sentença a vagar por aí, desprovida de sentido. Tão ou mais perdida do que o bêbado que acorda ao relento, na calçada de casa, metamorfoseado em um mostro infeliz arrependido.
E se por ventura eu usasse espaguete para cozinhar o yakisoba que eu tinha em mente? Eu poderia ainda chamar o prato de yakisoba ou teria de criar um novo nome? Parece banal essa reflexão. E de fato, é. Porque pouco importa o nome do prato quando se tem fome. No entanto, importa quando se pensa no significado de tudo que fazemos ou deixamos de fazer. Toda palavra carrega um peso, uma herança, uma origem, um valor. Da mesma forma que, em tese, não se diz eu te amo se não há de fato amor envolvido, o mesmo vale para o ódio.
Parece tão simples quando o Valter Hugo diz: "A gente tem que aprender a ser o que é". Por vezes, só depois de sermos confrontados com a metamorfose é que entendemos o sentido do poder transformador pelo qual somos submetidos diariamente. Mas nem sempre estamos dispostos a discernir essa mensagem. Ou então, nenhum filho duvidaria do amor dos pais.
Nesse sentido, reitero a leitura e eventual releitura de A Metamorfose. Apesar de ter sido lançado pela primeira vez em outubro de 1915, continua a ser transformador. Que o diga Valter Hugo: "Talvez nenhum livro tenha sido mais revelador do que A Metamorfose, de Franz Kafka". E cozinhar o yakisoba não foi só o simples preparo de uma refeição, porque cada legume e cada etapa do processo foi realizado com amor.