Um andarilho desafia a sede. A terra seca racha a sola dos pés. O sol à pino corta os lábios cerrados. Nenhuma nuvem no céu. Quase tudo a perder de vista. Coberto de poeira, José avança. Deixa para trás a tristeza revestida de apatia. E, mesmo com as pernas trêmulas, dribla a incerteza da próxima curva. Não desiste.
José crava as unhas no véu da esperança e arrasta o corpo convalescente. Desafia o improvável e sorri. Não é sarcasmo, muito menos ironia. Não blasfema. Jamais. Sua travessia é assistida pelo divino. Vem lá do céu a sua proteção. Depois de encontrar a fé perdida no descampado da vida, desistiu até de usar facão. Não precisa do aço afiado. Agora não cabe mais na boca o ódio, só o perdão.
José não virou santo. Não mudou da noite para o dia. Resolveu experimentar o caminho inverso. Ao invés de descer a lomba, aproveitando o declive para voltar atrás, despiu-se da insegurança e subiu. E nunca mais parou de caminhar. Tem dias em que a sola dos pés quase não toca a terra seca. José parece flutuar rumo ao horizonte. José plana estrada adentro e sem fim.
Não come, não bebe, não para. Sonha de olhos vidrados, encarando o futuro como quem seduz a mulher mais linda que conheceu. Mesmo sem dizer uma só palavra, José emociona. Nunca teve sua história contada. Ninguém sabe onde nasceu, nem onde morava antes de começar a andar por aí. Não usa lenço, nem documento.
Quando cansa, suspira, encara o sol alaranjado, inspira, olha de soslaio para trás, balança a cabeça, como quem diz “nunca mais”, pisa forte a terra seca e caminha. Avante. Contra o sol, a chuva e as rajadas de vento. Contra todos que deixa para trás comendo poeira. José deixa sua marca no rastro do tempo. Mas ele sabe que nem todos enxergam as suas pegadas.
Preferem seu pesar que anoitece no passado. Porque é mais fácil perseguir a lágrima que desaparece na terra seca, do que o sorriso amoroso de despir o espinho das rosas. Enquanto isso, José nasce e morre todos os dias na lembrança de alguém.