O Novo Clássico
Ainda na infância, Hélio Ascari Junior descobriu sua grande paixão: restaurar peças de antiguidade. Quando adolescente, o filho de Hélio Ascari (in memoriam) e Maria Isabel Chemello Ascari, trabalhou em fábricas de móveis e siderúrgicas, onde ganhou experiência no fazer artesanal e começou a desenvolver atenção aos detalhes. Foi nessa época na indústria da moda, como modelo, que desenvolveu seu estilo e teve a oportunidade de apresentar um projeto de bicicleta a uma renomada casa de moda nos Estados Unidos. Vivendo em diferentes países e experienciando múltiplas culturas adquiriu um estilo de vida que une praticidade e consciência ambiental. O nome Ascari veio de uma herança incrível virou grife e lhe deu elementos imprescindíveis para escrever sua própria história. Hélio cresceu em uma pequena vila italiana no sul do Brasil, São Marcos, cercado por objetos vintage trazidos por imigrantes.
Qual sua lembrança da infância? Acordar cedo aos domingos para ajudar minha mãe a preparar tortéi e pão.
Se pudesse voltar à vida na pele de outra pessoa, quem seria? Acho que não seria uma pessoa, queria mesmo voltar como um pássaro, um corvo americano para ser mais específico.
Qual a passagem mais importante da tua biografia e que título teria se fosse publicada? A entrega de uma bicicleta para a coleção particular do estilista americano Ralph Lauren - que pode ser vista no recente documentário que a HBO fez sobre a vida do estilista. Foi uma oportunidade incrível, não só pela satisfação de ter o trabalho reconhecido por alguém que admiro, mas principalmente por que tive total liberdade na criação e senti que consegui expressar em detalhes os valores dos quais tenho convicção. Quanto ao título da minha biografia, difícil, talvez algo como Ascari – Just do it (do inglês, realize).
Como começou na carreira de modelo? Por que decidiu mudar para a profissão de artesão de bicicletas? Comecei na carreira de modelo por acidente quando mudei para o Rio de Janeiro, chegando lá fui descoberto pela agência Elite, então comecei mesmo por acaso. Quanto à transição para bicicletas, a verdade é que sempre procurei uma plataforma de expressão artística. Mas, chegou um momento em que tive que unir minha curiosidade com um pouco de coragem para começar. Além disso, sempre fui muito intuitivo acreditando que esse meio de transporte tão eficiente poderia ser elevado ao nível artístico. Carrego o nome de meu pai Hélio Ascari, que sempre foi um homem de muito bom gosto, um cara da vanguarda. Ele me deixou de herança uma fivela de cinto com o nome dele cravejado em ouro rosa e pedra de rubi. Guardo esse objeto com muito carinho e sempre admirei muito seu design. Quando comecei a viajar e conhecer o mundo das artes me aprofundei muito no design de joias que surgiram da virada do século, como Cartier, Tiffany e Fabergé. Então, essa admiração foi uma inspiração para acreditar na possibilidade de transformar bicicleta em arte. Como cresci em São Marcos e lá trabalhei em metalúrgicas e fábricas de móveis, aprendi desde cedo, com fantásticos profissionais, maneiras de desenho e fabricação e aí foi muito natural colocar isso em prática.
Como se caracteriza o design que desenvolve? Existem elementos que definem a tua assinatura? Tudo depende do que estou desenvolvendo. Me entrego a tudo que faço, tento colocar o máximo de mim nos meus trabalhos. A hora de criar, é a hora de deixar fluir, é quase instintivo, é o momento em que me procuro e também o momento em que, com alguma sorte, me encontro. No que diz respeito à técnica, acho que o couro de diferentes diâmetros que introduzo em meus designs acabou se tornando minha assinatura.
Um ícone do design: o italiano Carlo Mollino. Ele era fotógrafo, designer de carros, arquiteto, artista, um gênio. Conseguia se expressar em tudo que fazia, sem regras, sem protocolos. Admiro isso.
Qual foi o projeto de maior desafio? E o que te trouxe maior satisfação ao concluir? O projeto para o Ralph Lauren, que já citei aqui. Tenho amor por diversos projetos, mas pensando no hoje, posso dizer que estou trabalhando com desafios e com os quais estou muito empolgado, como parcerias com a Florense e a Osklen.
Qual a importância do design como fator de identidade de um povo? O design é tudo, o mais importante elemento. Quando é orgânico, ele é mágico e tem o poder de elevar o imaginário das pessoas a outras esferas. Ele define a beleza, a ordem dos elementos. Como gaúcho tenho certeza que temos bem definido os elementos que compõe a nossa cultura temos definições e nosso próprio ritmo.
Acredita em lugar ideal? Sou uma pessoa que não se prende muito. Aprendi a ser do mundo, não me apego a um lugar só. Para mim, a cidade ideal é aquela em que as pessoas cuidam de seu vizinho e nutrem um espírito de comunidade.
Como o andar de bicicleta impacta a relação das pessoas com a cidade em que vivem? A bicicleta é, sem dúvida, o meio de locomoção mais eficiente em grandes centros. O carro polui, tem pressa, cria uma distância. A bicicleta não, ela aproxima, é democrática, tem outro ritmo e é símbolo do respeito que temos com a nossa cidade e a natureza.
O que mais sente falta do Brasil morando em Nova York? Sinto muita falta da minha mãe e família, pois já faz 25 anos que deixei o Rio Grande do Sul. Amo demais a região onde cresci, a Serra gaúcha, os pampas, as nossas tradições. Somos um povo apaixonado.
Como exercita a criatividade estando em casa, na quarentena? Como sou autodidata e não sigo protocolos ou regras rígidas, minhas criações vêm muito da minha interação com objetos que fazem parte do no meu dia a dia. Além disso, a verdade é que ano passado saí de Manhattan e me mudei com a minha esposa para uma casa em uma fazenda a uma hora da cidade. Então, já vinha há algum tempo experimentando uma calmaria, melancolia até, e a quarentena não teve um grande impacto prático. Já no quesito emocional, claro, foi diferente, ainda que não tenha sido diretamente atingido pela pandemia, sinto muito pelo que estamos vivendo, acho que a dor do mundo vibra igualmente em todos nós. Tenho feito o que posso para me manter saudável de corpo e mente.
Um ambiente equilibrado é aquele... que tem um torno mecânico, uma frezadeira, uma máquina de corte e solda e uma mesa de desenho. Brincadeiras à parte, para mim um ambiente equilibrado é aquele que tem caos e bagunça. Amo criar no caos e nele encontro o equilíbrio.
Lugar preferido em casa? Perto do meu aparelho de som e dos meus discos, sentado na minha cadeira de 1950 desenhada pelo Sergio Rodrigues e Oscar Niemeyer.
Onde busca equilíbrio e harmonia, seja no ambiente profissional ou pessoal? Amo correr, ler e o silêncio na minha meditação diária que pratico há alguns anos. Também no convívio diário com a pessoa mais importante que apareceu na minha vida, minha esposa Maria Thereza.
Um projeto dos sonhos? Parar de projetar, viver o agora, curtir o agora, senti-lo. Esse é o sonho.
Livro de cabeceira: O Banquete de Platão, de Sócrates. É o diálogo do amor, leria mil vezes.
Filme para assistir inúmeras vezes: Cinema Paradiso, do diretor Giuseppe Tornatore.
Quais músicas não saem da sua playlist? Duchess, de Scott Walker; Que Beleza, do Tim Maia; Everybody Wants To Rule The World, da banda britânica Tears For Fears; Life By The Drop, de Stevie Ray Voughan; Fire Your Guns, do ACDC; entre outras.
Um desejo: o silêncio.
Fontes de inspiração? A natureza em todos os aspectos.
Uma palavra-chave: done. Pronto. Feito.
Um conselho para o seu eu mais novo? Jamais pare de aprender.