Como seria tratado hoje um governante com pendores à reflexão? Ele leria A República, de Platão, não como uma utopia, mas uma referência a ser seguida por um líder? E o imperador Marco Aurélio, seria visto como um idealista com ideias admiráveis, mas sem sustentação em uma sociedade tão pragmática como a nossa? Indagações que encontram ressonância em um tempo contaminado pelo utilitarismo. O modelo de pessoa bem-sucedida pertence aos desbravadores de novidades. Cada dia precisa estar impregnado pelos avanços da ciência e da tecnologia. A espiritualidade passou a ser uma nota de rodapé em um universo fascinado pelas opiniões, relevando o mistério à categoria de mera curiosidade. Vivemos, portanto, em uma época de dissolução de valores e da tradição? Não necessariamente. A estagnação pouco eleva o ser humano; exige-se movimento, pois somos regidos pela impermanência.
Se você adere, sem questionar, ao princípio contemporâneo que entroniza a rapidez como um deus a ser idolatrado, provavelmente responderá: a filosofia é inútil. Mas se ainda se abastecer da dúvida e estiver consciente dos limites da razão, acenará de forma negativa. Camus, Montaigne, Santo Agostinho, Sócrates e tantos outros pensadores continuarão sendo as antenas da raça, como profetizou Ezra Pound. E se, como eu, transformar em ação os preceitos do estoicismo, estará fadado a um eterno trabalho para refinar a própria alma. Olhar para si como uma argila a ser moldada por mãos mais competentes do que as nossas é um exercício de admirável humildade. Um homem que nascesse daqui a cem anos olharia com estranheza para alguns códigos comportamentais. Mas não para ensinamentos definidos como verdades, repousando sobre a rocha.
De nada adianta você se municiar de múltiplos conceitos e permanecer encerrado em um reduto meramente intelectual. Boas intenções ou acúmulo de conteúdo livresco não alteram a ordem do mundo. Conheci pessoas encharcadas de teorias e vasto conteúdo cultural totalmente inaptas para a ação. O perigo é abstrair a realidade em detrimento de uma educação que se fixa unicamente no campo mental. Na maioria dos casos serve apenas para polir a vaidade, tão nefasta quanto aquela que se refere à estética, pura e simples. De minha parte, aprendi o sábio conselho dado pelo escritor francês André Gide: “Crê nos que buscam a verdade, desconfia dos que a encontram”. A formação também se nutre das bibliotecas, mas fenecerá se não for alimentada pela perpétua indagação.
Tudo pode ser um contínuo abraço em busca da mais irrespondível das perguntas: qual é o sentido da existência? É possível acessar o ChatGPT e ler o Manual de Epicteto com o mesmo interesse. A vida e suas múltiplas demandas não são excludentes, elas convergem. As certezas se calam quando saímos da prisão do eu e nos defrontamos com vozes diversas.
Sêneca e Mark Zuckerberg, afinal, poderiam tomar uma taça de vinho juntos.