Veja o paradoxo posto diante de nós: quanto mais abundância, maior o sentimento de insuficiência. É como se, ao fazer uma escolha, direcionássemos o olhar para as infinitas possibilidades deixadas de lado. O desejo de ter tornou-se uma aflição. O mecanismo é simples: na posse, o grau de satisfação é curto e logo lhe voltamos as costas. Os objetos e os seres precisam de certa permanência em nós para ganhar significado. Enfastiar-se rápido, no entanto, passou a ser uma constante. Sêneca disse: “Não se deixe escravizar pelo prazer”. Ser dominado pela obsessão do novo impede que nos debrucemos sobre o que temos. Amar o que já nos pertence deveria ser um dos propósitos elevados da vida.
Os exemplos são fartos e nos direcionam rumo à sabedoria. Ao acessar as redes sociais com excessiva assiduidade, somos invadidos por propagandas, à revelia de nossa preferência. Os algoritmos comandam, o inconsciente vai registrando tudo e, em algum momento, potencializará a vontade de adquirir produtos que, na verdade, nem gostamos tanto. Mas nos convidam a comprá-los. E assim nos enredamos a ponto de perder o controle e sermos incapazes de distinguir entre o supérfluo e o necessário. Daí para nos tornarmos acumuladores é um passo. A partir dessa percepção, tenho redobrado o cuidado antes de ir em busca de algo só porque está disponível. Estabelecer um limite e fixar-se nele é uma boa estratégia para reaprender a recusa frente a esse imenso supermercado que se tornou o mundo. Podemos e devemos considerar as ofertas, mas desviando-nos de alguns apelos, mantendo um olhar filosófico para evitar essas armadilhas tão sedutoras.
Penso no conceito de cidadela interior, criado pelo pensador estoico Marco Aurélio. Um espaço mental em que reina a imperturbabilidade. Devemos habitá-la diariamente, para saber diferenciar se as opções são constituídas de felicidade ou meros simulacros. Ter e ser se complementam, não precisam ser excludentes — os dois podem coexistir em equilíbrio. Uma pessoa com discernimento consegue fazer a leitura correta e escolhe com parcimônia. Analisa com precaução antes de ceder às “tentações”. Para medir a capacidade de resistência, um bom exercício é perguntar-se onde encontramos mais contentamento: se na própria companhia ou nos estímulos externos, carregados de dopamina.
A neutralidade dá o tom em toda a natureza. Nada é bom ou ruim em si. A questão é o uso feito pelo ser humano, atribuindo-lhe significado. Foquemos em mudar hábitos e comportamentos repetidos. Exige trabalho, certamente, mas o resultado será o de recuperar a autonomia emocional. Fugir dos apelos nem sempre é um método eficaz, por si só. A grandeza está em passear entre eles e seguir incólume. Experimente. A sensação de liberdade é magnífica.
Não é preciso beber a água de um rio para saciar a sede. Um copo, apenas um copo.