Alguém recorda de queixa tão repetida como esta? Mal iniciamos uma conversa e lá vem ela, soberana, indicando uma condição que a todos incomoda. Detalhe: dizemos isso com certo orgulho disfarçado, sugerindo um sinal de distinção, merecedor de elogios. Leia-se: acontece por sermos comprometidos, trabalharmos em excesso, etc. Há na voz um tom de lamento. Entretanto, se atentarmos às sutilezas, vamos encontrar algo reforçando a ideia de que nos cremos indispensáveis. Sobram poucas horas, pois sou primordial. Até onde eu saiba, temos à disposição, indiscriminadamente, vinte e quatro horas por dia. Se as estamos gastando bem, é coisa diversa. Na maioria dos casos, é simples questão de escolha.
Você aumenta sua carga horária por opção ou está sendo obrigado a tal? Convenhamos, nosso fascínio pelo consumo tem contribuído severamente para essa prostração. Mais: vivemos trocando o convívio pelo telefone. Sabemos quão ruim é, porém essa consciência quase nunca nos conduz à interrupção do hábito. Pergunto-me se há registro das pessoas que sofrem acidentes ao caminhar pelas ruas acessando seus aparelhos. Dirigindo, nem se fala. Quando ultrapassamos o limite do bom senso, é conveniente lembrar do óbvio. Continuo estranhando essa obsessão por estar conectado. Na semana passada, ao informar que deixaria meu celular no carro durante a reunião em uma empresa, o amigo me disse: “Jamais seria capaz de fazer isso, fico com taquicardia só de pensar.” Parece exagero, mas a realidade mostra o contrário.
Qual foi a última vez que você olhou para o céu? Sente culpa por se presentear com um dia sem produzir? Dialogando com gente próxima ou desconhecidos, sinto-os cansados – mal conseguem alcançar o fim do dia, senão se arrastando. Uma exaustão emenda na outra. Convenhamos, muito depende da nossa ambição. Onde queremos chegar? É necessário mesmo absorver tantas reivindicações? O resultado desse acúmulo é não fazermos nada por inteiro. E a consequência final será a de nos surpreendermos ansiosos.
Já estive submerso nesta condição. A diferença, talvez, foi ter me observado criticamente. Recentemente, entreguei um cargo de coordenação por saber que estava demandando demais de mim. Foi difícil abdicar de algo tão relevante - eu me realizava em exercê-lo. Levei o assunto à terapia e percebi haver boa parcela de narcisismo envolvido. E vaidade, preciso reconhecer. Sei o quanto me esforcei durante os anos à frente dessa atividade. Relutei, mas descobri uma evidência: ninguém é insubstituível. Realizada a troca, tudo segue bem. Meu benefício: ter obtido paz de espírito - e já nem me ocorria isso ser possível.
Perde-se aqui para ganhar logo adiante. Distinguir o que realmente importa, eis a lição nem sempre assimilada - e ela é pressuposto de crescimento pessoal. Sem grandes lamentos, façamos um escrutínio do que conta de verdade. Como resultado, nos reapropriaremos deste precioso bem chamado tempo.