Durante a maior parte da história da humanidade, homens e mulheres padeceram com escassez de alimentos, ausência de saneamento básico, sem os cuidados mínimos para tratar de sua saúde. As grandes cidades eram celeiros para a transmissão de todo tipo de doenças. A morte pairava em cada esquina, dada a violência das relações no cotidiano. A noção de dignidade e respeito para com o outro precisava ser imposta através de sermões pregados pelos representantes da religião, sobretudo o cristianismo. Fomos nos libertando num processo gradativo e estabelecemos alguns princípios civilizacionais que estão na base das democracias, assim como as conhecemos hoje. Porém, na esteira dessa evolução, muito se perdeu. Antes, a precariedade estava presente no universo de quase toda a população. Agora surpreendemo-nos abarrotados de ofertas. Adoecemos por excesso, como se a mente tivesse dificuldade em dar conta de tanta demanda.
Inúmeras pessoas ainda carecem de acesso às condições mínimas para terem uma vida digna. Consideremos isso, sob o risco de se fazer uma análise parcial. Meu olhar recai sobre quem, a despeito de tanta disponibilidade, encontra-se visivelmente enfastiado. Desperdiça um bem precioso, o tempo, acumulando quinquilharias, criando falsas necessidades. O muito passou a ser sinônimo de tédio. Prateleiras apinhadas estão longe de simbolizar a felicidade. Há uma ansiedade renovada no olhar de quem, utilizando-se de um cartão de crédito, pode levar para casa uma gigantesca quantidade de objetos. Padecemos emocionalmente depois de descobrir o quão pouco de alegria há na posse desenfreada. O desejo parece mais importante que a saciedade, em tantos casos. Veja, ninguém sonha em retroceder à uma época como a descrita acima. Porém, é imprescindível reavaliar nossos propósitos, depois de nos surpreendermos tão insatisfeitos com a situação atual das coisas.
O materialismo acirrado acaba se revelando nocivo à saúde mental. Desenvolver a espiritualidade instaura em nós um sentido para a própria existência. Acostumei-me a olhar com desconfiança para o capitalismo em estado exacerbado: ele ignora algumas necessidades fundamentais. Certo equilíbrio entre ter e ser é essencial para manter-se em contato com algo elevado, para além de uma existência meramente cumulativa. Comprar é agradável aos olhos e ao cérebro, mas se distancia do intento maior que deve nos guiar.
O valor é um atributo dado por cada um. A natureza é neutra, nós colocamos nela uma etiqueta ressaltando qualidades ou defeitos. Atente para o que lhe oferecem. Talvez seja mais relevante recusar a aceitar. Estamos vivendo sob o signo da monetarização. Tudo é produto —nós, inclusive. As redes sociais se transformaram no melhor meio para enriquecer com inacreditável rapidez. Somos invadidos por propagandas a todo instante. É um tipo de violência normalmente despercebida. Atenção, portanto. Cabe a nós recuar um passo para ver com maior clareza o que temos diante de nós.
Meu modelo é Gandhi, não Elon Musk.