Deslize suavemente pela vida. Na medida do possível, afaste-se de confrontos. Estabeleça relacionamentos sólidos. Repito para mim estes preceitos ao constatar como andamos queixosos. Deparo-me com pessoas que, logo após me cumprimentarem, desfiam um rosário de lamúrias, passando pelo tempo, a economia, a superficialidade dos afetos. Mas estaremos mesmo imersos em uma época de prevalência da leviandade? Recuso-me a acreditar.
Recordo dos inúmeros livros de história lidos e me parece termos construído uma base de valores agora postos em ação. Ou você acha que na Idade Média alguém lhe daria ouvidos se falasse em direitos humanos? E, antes do Cristianismo, a palavra compaixão, por exemplo, cairia no vazio. Sinto-me perfeitamente confortável com o que nos é oferecido hoje. Evito sentir melancolia em relação ao passado. E o futuro é meramente especulativo, com mudanças difíceis de imaginar. Então, convém colar no presente, usufruindo das suas benesses e tentando administrar da melhor forma as coisas ruins.
Proponha-se fugir de tantos conflitos. Posicione-se com sabedoria, agindo vigorosamente, empenhando-se naquilo que é factível alterar. O mais pertence à ordem da natureza, pois somos uma pequena peça do jogo, não o tabuleiro. Embora, convenhamos, nos percebemos assim.
Tenho tentado exercitar a alegria ainda ao acordar. Às vezes, uma parte do dia estará repleta de atividades estafantes. Reuniões sem fim, afazeres cansativos, conversas desagradáveis. Mas lembro da condição de efemeridade e esquivo-me de colocar energia negativa ou raiva nisso. Como sempre, invisto em pequenos presentes do meu agrado quando as tarefas chatas findam. Pode ser o encontro com um amigo querido, a compra de um objeto que desperte em mim o sentido da beleza, uma ida ao cinema. Pronto, tudo se torna bem aceitável. Lembre-se do movimento pendular acontecendo ao seu redor: o prazer alterando-se com o dissabor e vice-versa.
Tenho a impressão de ser uma questão de escolha. Primeiro mental, depois prática. Isso rege a existência e precisamos nos estudar com afinco, ver as reações costumeiras diante de determinados fatos e aprender a tomar decisões sensatas.
Ando sem vontade de brigar com o mundo; com ninguém, aliás. Fico quieto, observando. E na convivência com os demais, agrada-me a ideia de fazer o papel de conciliador. Demorei para sair dos embates, porém chegou uma hora em que descobri como é desgastante empenhar-se só para ter razão. Nossas convicções são íntimas e não é necessário gritá-las do alto dos telhados.
Estou socraticamente repleto de perguntas. Indago sem a pretensão de respostas certeiras. O pouco que sei vai se modificando ao sabor das experiências. Para meu próprio bem, o definitivo se transformou em provisório.