Há um desconforto quase generalizado em relação à época atual. Encontro inúmeras pessoas pondo uma lupa somente em seus aspectos negativos. Dizem, com ar de desalento, sentirem-se totalmente despreparadas para viver. Reclamam disso e daquilo. Sem estudar a trajetória da evolução humana, creem estar imersos em uma realidade assustadora e inédita. Inclino-me a discordar radicalmente, baseado na certeza de estarmos nos repetindo. Cada um de nós foi e sempre será uma potencialidade pendendo ora para o bem, ora para o mal. Em tempos idos, a dificuldade de comunicação entre quem habitava espaços distintos reduzia a percepção clara dos acontecimentos, então restritos à sua comunidade. Tudo ficava limitado a um pequeno núcleo. As notícias do mundo eram vagas e o falso entendimento de recorrência dava o tom.
A tecnologia mudou a maneira como nos vemos. As guerras em diversos países entram nos celulares de imediato e delas tomamos ciência em sua real dimensão e horror. E sentenciamos: “Nunca fomos tão cruéis e a preservação do planeta e da raça está por um triz”. Parece não ser uma característica só desses dias, vamos convir. Gostamos de nos enfrentar, ampliando o domínio dos territórios. O fascínio pelo poder é semelhante ao dos antigos romanos ou ao dos homens da Idade Média. Sabe o que está se passando? Neste período da história, ganhamos um recurso extraordinário: a internet. E ela revela para todos os propósitos outrora dissimulados. Nossos pensamentos saíram da caverna e os expomos nas redes sociais. Em essência, há escassa diferença entre as ações do passado e as que praticamos neste momento. Antes, poucos tinham conhecimento do lado obscuro de cada alma. Agora o expomos em praça pública. Perdemos o pudor em assumir para os demais preconceitos e opiniões rasas, sem filtro algum. Aliás, quanto mais polêmica, maior a probabilidade de engajamento. E o resultado desejado será alcançado: monetizar a estupidez.
Penso várias vezes antes de me posicionar frente à determinada situação ou fato. O respeito pelo diverso precisa receber nossa atenção. Ninguém detém verdades definitivas. Reservar para si próprio certos julgamentos é um ato de refinamento interior. Dar menos primazia ao eu, esvaziando-se do orgulho. Sugiro revermos o significado da palavra liberdade, para não exagerar no que pode ser dito. Tento fazer com que a reflexão preceda a vontade de sair por aí gritando crenças individuais. Caminho sobre o provisório, e a noção de acolher o múltiplo habita a minha mente.
Tenho uma imagem consideravelmente boa de nós mesmos. Andamos meio perdidos, isso sim. Equilibramo-nos como é possível em meio a multidões em busca de um lugar ao sol. Logo ali adiante inventaremos outro jeito de interpretar o mundo.
Ainda tento responder quem somos nós, afinal. Arrisco dizer que provavelmente o resultado dos estímulos externos recebidos.
O futuro a Deus pertence. E ao Vale do Silício também.