Você acorda pela manhã, já com certa ansiedade. Lembra dos compromissos marcados para o dia. Começa a sofrer por antecipação. Acredita que, se não cumprir uma exaustiva agenda, será cobrado por todos os lados. Quem sabe, até, muitas decisões inadiáveis deixarão de ser tomadas. Coloca-se no centro do mundo e se despede da quietude antes de sair para a rua. Seu único propósito é o de executar tarefas. Já fui assim, confesso. Taquicardia, suores noturnos, sensação de ser incapaz de dar conta de tantas demandas. Mas o ego, sempre ele, me avisando que somente eu seria capaz de fazer tudo isso. O custo? Um cansaço tremendo! Agora, a vontade de continuar me achando imprescindível é zero. Ninguém é. Os outros conseguem resolver tão bem quanto nós. Talvez até melhor. Olho com admiração, sem o desejo de estar em seu lugar. Faço essa pergunta interior: se hoje fosse o meu último dia por aqui, o que gostaria de ter realizado? Às vezes, na ordem confusa da existência, somos incapazes de distinguir o importante do urgente. Mantenho sob vigilância o sentido da responsabilidade, mas meu sono voltou a ser tranquilo, pois aprendi a relativizar a suposta gravidade dos pequenos atos cotidianos.
Gasto largas fatias de tempo na prática do que me torna feliz. Qual o objetivo de correr tanto? A vida nunca está atrasada: nós é que estamos nos adiantamos inutilmente a ela. Dia bom? O de vários encontros e algum ensinamento aprendido. Eis aqui um princípio admirável: buscar nas palavras ou nas ações o aprimoramento pessoal. Sentir-se destituído de grandes vaidades e egoísmos. É uma prática difícil, pois somos estimulados a lutar e permanecer em destaque, evidenciando nossas presumíveis qualidades. Troco esse vocábulo por outro, bastante pertinente, a meu ver: virtude. E me pergunto: como agi frente a determinadas situações que exigiam de mim uma postura de retidão? Quando me deparo com alguém triste, detenho-me para ouvir com atenção a sua dor? E diante da alegria manifesta de um amigo, sou capaz de compartilhá-la sem o sentimento da inveja? Estes intentos precisam estar presentes com igual constância das demais atividades consideradas vitais. Na dúvida, releio trechos de uma obra da tradição oriental. A reposta está invariavelmente lá. A minha vem em forma de expansão da consciência, de mudança de atitude.
Mantenho-me atento ao que for preciso, afastado do desejo de poder, pois ele adoece a alma. Sigo trabalhando com afinco para me refinar interiormente. Leio, medito e observo como as pessoas se portam. Vivemos em uma época magnífica, embora tantos se recusem a admitir. Apenas utilizamos de maneira equivocada as ferramentas ao nosso dispor. A questão não é o avanço tecnológico em si, mas a voracidade como estamos abdicando do real em detrimento das seduções fáceis que nos oferecem.
Sejamos menos afoitos e mais apaziguados. O reino dos céus é aqui mesmo. Para acessá-lo, basta recuperar a senha.