No livro A República, Platão conta a história de Giges, um humilde pastor submetido a uma prova, depois de ter achado um anel que o tornou invisível. O filósofo propõe o seguinte: como você reagiria, moralmente falando, diante disso? Firmaria seus princípios ou se permitiria tudo? Esse dilema atravessa os séculos e ainda suscita divagações. As decisões que tomamos dependem de haver testemunhas? Os freios sociais nos impedem de fazer o que quisermos, na certeza de haver castigo? Evito uma resposta precipitada, pois é o tipo de situação na qual a teoria é meramente especulativa. Mas é uma rica possibilidade para indagar os motivos dos nossos comportamentos. Em uma época de egos inflados, é improvável crer na capacidade de nos conservarmos ilibados caso as ações escapem de qualquer pena. O olhar do outro e a presença da lei são forças coercitivas e reprimem os instintos, firmando assim os pilares da civilidade. A tendência será de dizer publicamente que a retidão independe da vigilância alheia. Porém, é complexo e precisamos ponderar bastante ante uma afirmação categórica. Somos constituídos por camadas e mais camadas de subjetividade. Nem sempre os desejos e os atos seguem na mesma direção.
Normalmente creditamos à ação individual um peso maior do que à coletiva. O conceito de comunidade e seu consequente valor para a sobrevivência da espécie desbotam quando confrontados com os interesses de cada um. É uma noção freudiana de autopreservação. Se agirmos assim, contudo, estaremos traindo um dos preceitos fundadores da nossa evolução: a faculdade de cooperar, esse impulso vital responsável por sermos a raça dominante do planeta. A chance de proceder sem sofrer penalizações desencadeia o gosto pelo poder absoluto e o impulso de auferir vantagens sobre os demais. Somos seres que tendem para o egoísmo. A bondade necessita ser treinada, como se a condição natural fosse nos voltarmos para a ideia de, em primeiro, segundo e terceiro lugar, pensarmos em nós. Claro, essa é uma generalização e encontra resistência se confrontada com os luminosos exemplos de homens e mulheres que priorizam o bem-estar geral e lutam para transformá-lo em realidade. Entretanto, se você põe tal objeto na mão de pessoas sem caráter bem formado ou normas éticas sólidas, fica difícil acreditar no atributo humano de se elevar acima dos benefícios auferidos.
Reflita, pondere. É um exercício de depuração interior admirável. As condutas são repletas de nuances e não há uma única afirmação frente a algo tão desafiador. Afinal, somos justos por decisão própria ou só nos refreamos por temor das sanções? Nesta equação, o medo de ser punido é esmagador. Por fim, prevalece a obrigação ou a vontade? É uma instigante dúvida, colocando-nos em uma encruzilhada. E a um passo de entendermos como procederia um ser corruptível ou inclinado à perfeição.