Você se torna próximo de alguém não necessariamente partilhando intimidade física. Geralmente é com a alma, entregando alguma centelha emocional. É preciso despir algo além da roupa para afirmar que se “conhece” uma pessoa. Adotamos esse enganoso conceito depois de séculos de repressão, e é compreensível ainda pensarmos assim. É interessante avançar na análise. O corpo pode ser uma porta de entrada, mas será o abrigo, a morada, quando ensejamos vivenciar o sentido da palavra união? Apesar de, nestes tempos voláteis, parecermos pouco inclinados a fazer esse tipo de investimento. Porém, manter um olhar negativo dificilmente ajuda na superação de determinados comportamentos.
Permitam-me ilustrar estas observações com um exemplo prático. Na semana passada, uma amiga me ligou e disse estar bastante angustiada, aparentemente sem motivo perceptível. Pois bem, em nosso encontro deixei-a falar um longo tempo, até terminar a sua catarse. Mas chegou uma hora em que a linguagem foi incapaz de traduzir seu desconforto. Parou de repente e começou a chorar. Não me espantei e nem a forcei a continuar manifestando seus sentimentos. Aproximei minhas mãos das dela e assim ficamos, por quase dez minutos, sem nada expressar. Considerei este momento como o de uma profunda intimidade. E assim, silenciosamente, fomos nos entendendo, a ponto de ela revelar, no dia seguinte, estar bem melhor. Às vezes é vital simplesmente parar, reconhecer o outro e ouvi-lo em suas arraigadas carências. Nem sempre temos à disposição uma resposta para o drama que o aflige. Muitos se sentem perdidos por nem serem notados em meio a tanta avidez por se destacar. Quando nos recolhemos e permitimos aos próximos se expressar livremente, sem o risco de um julgamento prévio, provocamos uma espécie de nudez, bem mais visceral do que a física.
Casais que reclamam por se descobrirem afastados devem estar cometendo esse erro. A excessiva convivência nos deixa no confortável estado de segurança ou, sejamos sinceros, da posse do ser amado. Enquanto existir o desejo do diálogo, a relação não corre o risco de se perder por descuido ou demasiada segurança em si mesmo. Poucos praticam a arte da delicadeza. Ir se aproximando lentamente, como ao tatear em busca de um objeto querido. Discernir a presença, evitando invadir o espaço vital da individualidade. É uma tarefa a que raros se dedicam, ignorando algo essencial: nunca desvendaremos o interior de uma pessoa. No entanto, podemos permanecer ao lado, solícitos e atentos, esquecidos por um momento da própria solidão, intrinsecamente humana.
Há várias maneiras de tocar e ser tocado. O contato com a pele é uma experiência magnífica. De igual forma é receber a confiança de outrem, oferecida de forma confessional. Sejamos fiéis receptores, pois são situações valiosas e delas extraímos a possibilidade de acelerar o nosso crescimento interior.