Aconteceu assim, em uma quarta-feira qualquer. Eu participava de um evento, começo da noite. Muita conversa, todos falando alto, distribuindo opiniões. Ambiente agradável, mas saturado. Queria me esconder dentro de uma bolha de silêncio. Uma espécie de cansaço antecipado, como no poema de Fernando Pessoa. Emocionalmente tranquilo, senti naquele instante que a alegria estava encarcerada. Vontade de mastigar um naco de solidão. Escolhida, desejada. E olha que costumo ter enorme prazer na presença das pessoas. Então, de forma discreta, fui saindo do burburinho para me instalar novamente num espaço de quietude, pois é onde quero morar a maior parte do tempo. E uma sensação de paz se acomodou na alma. Sinto-me confortável na minha companhia. Meus momentos felizes não precisam ser testemunhados, embora me nutra da presença de tanta gente, nutriente essencial do bem-estar. Sei lá, ando meio exausto do excesso de exibição nas redes, de ver gente se promovendo sem parar, transformadas em produto.
O mundo se tornou um grande negócio. Ninguém quer perder uma oportunidade. Sob os holofotes, o “preço” individual aumenta no mercado da vaidade. Você acessa o YouTube, por exemplo, e é constantemente bombardeado por inúmeras propagandas. No início e durante a exibição. Ah, saudade de uma época de mais simplicidade, sem esquecer das maravilhas advindas do progresso, pilar da evolução humana. Novidades conseguem me encantar, mas gosto sobretudo de revisitar - esse hábito de continuar me abastecendo de algumas instâncias vitais para a nossa formação. Tenho amigos de décadas e pratico fidelidade a eles com renovado amor. Surpreendo-me apaziguado agindo dessa maneira. Enamoro-me do que permanece - familiaridade criando um fio invisível com a história de cada existência partilhada. Sonho com o futuro, mas percebo o valor de ter construído algo significativo no campo dos afetos ao longo dos anos. Não me canso de admirar, de reconhecer a beleza dos encontros.
Tento enfeitar os dias afastado do frenesi, em recolhimento. Posso sentar na grama do jardim e ficar só contemplando. Regulo as horas de exposição, sem, no entanto, pensar em ser um eremita. Respeito as religiões que promovem a verdadeira conexão. Tenho certo fastio ao me deparar com tanta exterioridade. Estou me reeducando para o bom convívio, longe do universo sintético das postagens instantâneas, efêmeras. Espio com interesse as notícias, as descobertas, pois envelhecer é se recusar a fazer a leitura da realidade que nos cerca. Não suspiro pelo passado, apenas absorvo alimento filtrando a memória da vida.
Aprecio voltar para casa e procuro experimentar uma coisa por vez. Necessito de pausas, intervalos. Dispenso o “tudo em todo lugar ao mesmo tempo”. Sempre um pouco menos – é minha liturgia. Sou um acumulador de serenidade.