Assemelha-se a uma epidemia: pessoas falando de si próprias o tempo todo, em profusão incontrolável. Na semana passada fui vítima de um desses ataques narcisistas. Fiquei esgotantes cinquenta minutos ouvindo, ouvindo. Tenho certa propensão ao acolhimento. O drama humano me fascina, mas quando há troca e um real interesse em “abraçar” situações aflitivas. A criatura mal respirava entre uma frase e outra. E, para completar, manifestava atenção zero nas minhas observações. Nos raros instantes em que conseguia fazê-las, obviamente. Houve uma hora em que me abstraí, para tentar afastar o tédio. Foi o jeito de me proteger, preservando-me de uma sufocante aceleração cardíaca. A partir de determinado momento fiz um exercício de alheamento, como se estivesse admirando uma paisagem. Chegou a ser quase engraçado, pois dos meus lábios saíam apenas monossílabos, e mesmo assim, esporadicamente. Mais tarde, conversando com um amigo, ele disse passar por isso também. E nos questionamos, quase em uníssono: em algumas ocasiões somos quem criticamos e sequer percebemos? Não parece ser o caso, pois a renovada tentativa de sermos gentis e educados nos afasta dessa armadilha da autorreferência.
Sintoma da nossa época, pois todos estão apaixonados por si e as manifestações verbais caminham para a individualidade patológica. E tudo potencializado pelo uso massivo das redes sociais. É difícil pensar em outro período histórico com tanta exaltação do Eu. Como é possível escapar dessa percepção tão centralizadora? Em primeiro lugar, descobrindo que poucos se importam de maneira genuína por esses relatos desesperadamente arrastados. Esforço-me para ser agradável, ouvindo até o final, embora a tentação seja a de evitar novas experiências de tal natureza. Não imagine o caro leitor que me refugio em uma solidão consentida a tal ponto de me desviar dos encontros. Sou persistente. Estou sempre buscando “ler” os que me cercam e tento me tornar um narrador onisciente de uma trama rica em personagens. E acabo constatando: pecamos pelo exagero. Ninguém é tão maravilhoso, motivando uma curiosidade genuína sobre cada detalhe de sua existência. Podemos ser cativantes, mas em geral é só em intervalos.
Quantos devem sofrer de uma espécie particular de deficiência auditiva a ser catalogada pela medicina. Ou pela psicologia. Se há um lado bom nestes discursos sem fim é eles ajudarem a treinar a paciência. E a olhar para dentro de nós com maior senso crítico, esquivando-nos de repetir situações tão estressantes. Gosto de quem partilha seus sentimentos. Porém, cuidado: ser uma metralhadora giratória verbal está longe de aliviar estados de tensão. Pode aumentar a exaustão. Por fim, atente: amizades se nutrem de afeto, não de egoísmo. E, na receita ideal, de uma boa dose de humildade.