Relato de um brasileiro, atualmente chefe dos mordomos da família real da Arábia Saudita: “Antes de trabalhar na Casa de Saud, prestei meus serviços a um dos hotéis mais exclusivos, nos Emirados Árabes. Fui testemunha de situações no mínimo bizarras. Atendi a uma socialite que quis um tigre de bengala em um evento na sua suíte. Outra disse precisar urgente de água Evian para ser utilizada em seus banhos, torneiras e vasos sanitários: era questão de vida ou morte. Um casal que mora no deserto pediu-me dez pinguins para a festa de aniversário do filho. Embora com grande dificuldade, consegui atender a esses pedidos e muitos outros.”
Ao ler a descrição, imediatamente veio-me à mente um aforismo do filósofo Epicuro: “Nada é suficiente para quem julgar o suficiente demasiadamente pouco.” E fiz esta indagação: qual é o limite do ser humano? Na medida em que status e dinheiro despertam em uma pessoa sentimentos de onipotência, ele para de existir. Será por tédio? Qualquer coisa é possível e nasce a compulsão de estar sempre querendo algo, escancarando uma condição de privilégio, pois tudo pode ser obtido? É uma armadilha perigosa, pois o fastio ronda os eternamente insatisfeitos. Longe de mim fazer a apologia do ascetismo. É bom usufruir a existência em termos materiais. Mas se ao estalar os dedos qualquer impulso é realizado, passa-se a entrar no campo do desregramento emocional. E é provável que essa espiral não encontre jamais o prazer e a alegria obtidos pelo esforço. Tal é a nossa estrutura interna. Conter-se é a regra primeira na obtenção de uma boa envergadura moral e refinamento do caráter.
Nisso transparece a maneira como lidamos com o poder. Eu posso, quero, exijo. Poucos se mantêm sábios em situações assim. O imperador Marco Aurélio, ao participar de cerimônias públicas, vendo-se ovacionado pela multidão, solicitava a um escravo que, de tempos em tempos, sussurrasse no seu ouvido: “Memento mori “– lembra-te que vais morrer. Sábio. Mas isso parece uma realidade cada vez mais distante desses homens e mulheres entronizados como deuses num mundo regido pela idolatria à riqueza. Próximo de nós, percebemos em diversas ocasiões o comportamento errático de quem ascende na hierarquia econômica ou profissional. A possibilidade de estar no comando revela a nossa verdadeira natureza.
Somos estranhos, bem estranhos. Talvez por isso as escolas do conhecimento nos incitam a dominar o ímpeto do autoritarismo. A lição é olharmos dentro de nós mesmos. Promover uma constante investigação em nosso interior – trabalho inesgotável. A vontade é potente e nos leva a fomentar conquistas admiráveis. Porém, nem todos (ou quase ninguém) têm a inteligência e o autocontrole necessários e sabem até onde ir e quando parar.
Ainda Epicuro: “Se queres enriquecer Pítocles, não lhe acrescente riquezas: diminui-lhe os desejos.”