Quando surgiram os sites de relacionamento (e de sexo) passei do espanto à crítica ferrenha. E aí parei. Durante anos minha conversa foi a mesma: impossível dar certo. Porém – o tempo passa, o tempo voa – reavaliei esse conceito que freava o revisionismo. Li diversas matérias, ouvi entrevistas de psicólogos, psiquiatras. E percebi meu olhar de assombro sendo substituído pelo entendimento. Fui auxiliado pela observação atenta de casais que se conheceram dessa forma e estão muito bem, obrigado, desde então. Afinal, ao mostrarmos interesse em alguém na tentativa de iniciar namoro, normalmente é por pessoa desconhecida. Pouco importa se o lampejo inicial se dá na padaria, na festa ou pela internet. O projeto mesmo é trocar o ímpar pelo par, pois o amor é milagre não catalogado. A solidão, se desejada, é um bom itinerário de vida, mas propósito de poucos. Afinal, somos seres gregários: o outro é âncora para a felicidade. Tá bom, nem sempre, mas acabamos comprando a passagem para ver até onde ele nos conduzirá.
Posto isso, foquemos em alguns aspectos negativos nesse supermercado de ofertas. Se em épocas anteriores (lembro seguidamente das personagens de Jane Austen) as mulheres tinham uma única chance para escaparem ao estigma que representava o fato de serem solteiras – verdadeira tragédia - hoje temos centenas de opções disponíveis. E em rodízio (ufa!) quase infinito. O resultado: dúvida, ansiedade. Diante de tantas possibilidades, difícil resistir. Podemos optar por fulana ou sicrano, mas com chance zero de esquecer o que estamos deixando “escapar”. São corpos a granel. Personalidades atraentes e afinadas conosco. E elas aparecem aos borbotões. Escolher é também abdicar e muitos se afligem, tendo relações paralelas. Em segredo, naturalmente, pois nossa cultura é hipócrita o suficiente para impor o desejo por um único ser, durante décadas. Complicado.
Então, talvez seja importante demarcar limites. A saciedade não está necessariamente ligada à quantidade de alimentos (para citar exemplo óbvio) que ingerimos. Em termos relacionais, é satisfazer-se com um e pronto. Depois, se for o caso, a gente inicia a triagem novamente. Claro, o catálogo disponível no mundo virtual revela-se fascinante. Tenho vários amigos “singles” e faço trabalho de conselheiro ao vê-los iniciarem a sua seleção particular. É divertido. Não precisamos ser radicais. Erros nos ajudam a definir melhor nossos padrões de exigências. Abençoados pela liberdade conquistada ao longo dos séculos, ninguém sonha em colocar algemas nas próprias mãos. Passamos a ser pássaros voando por aí a esmo, tendo o céu por cenário. Comemoremos, enfim. Evitando esquecer dos riscos de atravessar a existência buscando (e trocando) indefinidamente. Afinal, há algo mais bonito do que se reconhecer no outro e abrigá-lo em nós?