No excelente filme alemão “100 coisas”, dois jovens executivos do mundo digital resolvem apostar algo inusitado: desfazer-se de todos os seus bens materiais para ver se é possível viver sem pilhas de quinquilharias, parando de correr atrás dos últimos lançamentos. Tentarão diminuir sua ansiedade, cortando também suas maiores fontes de prazer. A cada dia receberão um pertence de volta. A partir daí, o sentido das palavras perda e ganho adquirirão significado diverso. Achei uma boa oportunidade para refletir sobre a sociedade hiperconsumista. É bom comprar, claro, novidades soam como bálsamo aos ouvidos. Tudo reluzindo, pronto para nos encantar. O problema é o fato de estarmos atulhados de objetos que num futuro próximo serão descartados. E vale lembrar: cada um custou não só determinada soma de dinheiro, mas muitas e muitas horas de trabalho, posteriormente convertidas em moeda. Ou seja, pouca disponibilidade para seguir livremente, sem tantas amarras. Penso em como viveram as gerações que nos antecederam e imagino como deve ter sido desolador passar por múltiplas privações. Conforto é bom, mas em excesso esmorece a alma.
E, repare, passamos dois terços da existência acumulando. Esse sempre foi um sinal inequívoco da nossa distinção social. Depois, lá pelos setenta, oitenta anos, busca-se um processo de subtração, reduzindo o peso do que antes simbolizava status e poder. Esse parece o movimento inevitável das pessoas que desejam passar a maturidade respirando aliviados, afastando temores. Doar passa a ter um significado pleno. Li inúmeros depoimentos de homens e mulheres falando do assunto. Mesmo sendo detentores de várias propriedades, vendem a maioria delas para, finalmente, aproveitar melhor os anos restantes. Somos bem isso: animais estendendo os braços para segurar, abocanhar. Mas eis que um dia nos cansamos ao perceber que estamos presos em uma inútil gaiola dourada. E, inevitavelmente, vamos fomentando algum tipo de arrependimento dentro de nós. Consequência do constante estímulo de possuir, cercar-se do que o mercado expõe em intervalos cada vez menores. Difícil não se sentir seduzido. Depois, lá pelo final, nos damos conta do exagero e do desperdício de tempo. Ruim é morrer agarrado ao que, necessariamente, precisará ser devolvido.
Ainda estou na fase de relativo apego. Mas já começo a me dar conta de não precisar de nada em abundância para alcançar a felicidade. Meu armário de roupas está ficando mais vazio. Penso duas vezes antes de preencher algum espaço da casa com um móvel novo. Porém, tenho dificuldade em doar o que enche meus olhos de prazer: livros, filmes, CDs. Paciência. Continuarei atento aos sinais e à sensação de alívio provocada por toda ação de desembaraço. Lá adiante espero carregar o peso do meu corpo, boas lembranças e o mínimo para o bem-estar. Por enquanto...