A sensatez sinaliza qual o melhor caminho para a resolução de conflitos: a prática da complacência. Relacionar-se significa, essencialmente, colocar em ação a faculdade de ver o outro em suas idiossincrasias. E respeitá-las. Não precisamos abdicar de qualquer princípio, mas somente nos deslocarmos de um reduto fechado de ideias, esquadrinhando múltiplas concepções. Os universos da política e da religião raramente se revelam sensíveis à adoção de atitudes propensas a abraçar o diferente. A falsa noção de que se é detentor de alguma verdade costuma matar a possibilidade da revisão de conceitos. E inúmeras vezes eles são a mera reprodução do entendimento coletivo. Poucos seres desenvolvem, no correr da vida, uma capacidade crítica capaz de alçá-los além do senso comum. A ausência de critérios pessoais transformou-se na tônica desses dias. A consequência mais nefasta é a de acreditar em tudo o que se preconiza como certo e errado. E isso faz nascer dentro de nós laivos de arrogância. O revisionismo nunca esteve tão ausente do ideal contemporâneo. Estamos editando a Inquisição com ares de modernidade. Fogueira para todos os que ousam discordar, saindo do padrão.
Voltaire, o grande filósofo iluminista, propagou o uso da razão como pressuposto fundamental para a convivência pacífica entre os homens. Impor a fórceps nosso pensamento aos demais é trair a essência dos regimes democráticos. Apliquemo-nos em ser plurais. Assim, evitamos nos arvorar em arautos do que é aceito ou “cancelado”. Se governos nos incitam a defender até a morte uma ideologia promovem unicamente o ódio à diferença, numa tentativa de tornar o mundo monocromático. Já poderíamos ter aprendido: o final é sempre a glorificação da personalidade. São líderes imbuídos da intenção de efetivar o projeto de se colocarem acima do bem e do mal. No campo pessoal, prevalece a certeza de que a busca de acordos alicerça a saúde emocional e os relacionamentos maduros. Flexibilizar nos move rumo ao avanço do processo civilizatório. Não se evolui senão pelo desbravamento de terrenos desconhecidos.
Nas redes sociais viramos propagadores de teses, quando estamos emitindo meras opiniões. Voláteis e contaminadas pela paixão. O autoritarismo decretou o fim da escuta alheia. Lembre-se das preciosas amizades esfaceladas por pequenas divergências. Os fatos e as circunstâncias devem moldar nossa visão, dando espaço para a sabedoria que tem em sua base o cimento fresco da percepção mais periférica da realidade. Dizem só ser possível saber se um homem foi feliz no último dos seus dias. Olhar com algum distanciamento é sempre prudente. O mesmo vale para analisar o uso de nossa inteligência. Com que propósito a estamos utilizando, afinal?