O último dia de uma Copa do Mundo, em algum momento, guarda certa melancolia, mesmo que seja antecedido por uma enorme festa quando se vence e se conquista o título. É um sentimento compreensível, especialmente quando se é criança ou se está na adolescência, quando se tem os primeiros contatos com a emoção proporcionada por um jogo de futebol. É tão mágica uma Copa do Mundo, como foi o desfecho dessa que acabamos de testemunhar, que uma criança olha para frente e desanima: não é possível, são quatro anos até a próxima Copa, como aguentar o tempo passar até lá? Quando se é criança, o tempo, venturosamente, demora mais a passar. Até que, depois de transpor um oceano sem fim do tempo, chega uma nova Copa, quatro anos depois. E aí, aos poucos, com o passar da vida, esses quatro anos começam a diminuir na percepção de tempo que temos deles. Aliás, até a próxima Copa, na América do Norte, o tempo será, de fato, menor: três anos e meio.
Amanhã, não terá mais jogo de Copa, é um raciocínio inevitável. Não terá Copa nesta segunda-feira, o que será de nós? Será um raciocínio mais do que nunca presente depois do que assistimos neste domingo. Simplesmente uma catarse emocional e de expectativa. Junto-me ao time – e são quase todos – dos que nunca viram nada igual em uma final de Copa do Mundo. O que se viu foi uma sucessão de acontecimentos encadeados que só o futebol proporciona. Que o futebol é surpreendente já se disse muitas vezes. O futebol é impensável. Há quem não goste de futebol. Respeita-se. Há quem não consiga entender sua lógica e a lógica dos torcedores, quem não consiga decifrar de onde vem sua magia. Pois a resposta é até simples: justamente desse caráter impensável e imprevisível, algo que, racionalmente, não é difícil de entender, mas talvez de associar a um esporte que é viril muitas vezes, até tosco e com pouco refinamento. Às vezes, sinto vontade de sacudir essas pessoas que não localizam e identificam a magia do futebol, algumas delas a quem admiro, que estão desperdiçando uma fonte de emoção inesgotável, inesperada, surpreendente. Um circuito de emoções absurdamente sem controle. Gostaria de levar-lhes pela mão ao entendimento e à vivência do que significa fazer um gol no último minuto, uma emoção vertiginosa e indescritível. Ou do que significa uma vitória de virada.
O futebol, e todos os componentes que o envolvem, está à altura da capacidade inventiva da humanidade, um esporte popular, imprevisível, sem fronteiras, capaz de despertar tamanha emoção, muitas vezes em catarse, como neste domingo. Na abertura dessa Copa do Catar, convidado que foi a participar da solenidade inaugural dos jogos, o ator Morgan Freeman cunhou uma frase:
– Todos nós temos uma história com o futebol.
Temos várias delas. Freeman estava sendo profético. Uma das mais belas e alucinantes, certamente, foi vivenciada neste domingo, pelas seleções de França e Argentina. Mais uma história de Copa, para encerrar essa sucessão de crônicas tendo a Copa como fio condutor. Nos vemos em 2026.
Obrigado, futebol.
* Com esta crônica, o colunista Ciro Fabres encerra Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo publicadas em GZH, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Catar, são 14 Copas. Ao todo, foram 27 crônicas.