O projeto Julho das Pretas, aprovado quinta-feira na Câmara de Caxias, além do que propõe objetivamente para evidenciar o protagonismo das mulheres negras, oportunizou e abriu um importante debate sobre ver ou fechar os olhos à realidade como ela é. Há um debate de fundo que distingue a realidade como ela é de como a percebemos. Ao mesmo tempo, existem fatos com o seu inerente grau de objetividade. O debate na Câmara demarcou os que defenderam que todas as pessoas são iguais e assim devem ser tratadas sem distinção, e a maioria – ainda bem –, que soube identificar o contexto, a vida real, a evidência de que neste país há racismo e há machismo. E, havendo essas condições, fica explicitada a desigualdade de oportunidades, a escalada de dificuldades, de obstáculos e até da segregação e da violência, aplicadas mais sobre uns e umas, especialmente mulheres negras, e não sobre outros.
Surpreendeu do debate, na minoria, a recusa em abrir os olhos para a vida real, para essa percepção mais complexa das situações. Constatadas condições adversas para parcela da população, no caso, para as mulheres negras, que são evidentes e saltam aos olhos, parece elementar que essa dívida social tenha de ser reconhecida, com todo apoio a ações, programas específicos e informações para a superação de uma sociedade desigual. Basta querer ver. Há, no entanto, quem assim não perceba.
Aliás, que realidade a nossa! A realidade como ela é, a partir de elementos objetivos, nos mostra um sucessão terrível de episódios que emergem à tona em nossa Pátria amada, idolatrada, salve, salve: as mortes de João Alberto no Carrefour, em Porto Alegre, do congolês Moïse, no Rio de Janeiro, ambas por espancamento, de Genivaldo, um brasileiro, na câmara de gás de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal em Sergipe, as eliminações do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira na Amazônia, sucessivas operações policiais violentas com dezenas de mortos nas favelas do Rio de Janeiro sob o manto do combate ao crime, mas que faz chegar o fogo cruzado às portas e janelas das casas nas comunidades e, com frequência lamentável, levam vidas de moradores comuns, inclusive crianças. Terrível. A realidade como ela é nos mostra estupros, abusos, violência de gênero, feminicídios, casos de homofobia, médico anestesista que seda a vítima. Também há protagonistas de agressões ao meio ambiente, a animais. A realidade como ela é mostra uma sociedade doente.
Nossa realidade como ela é. Alguns não querem ver. Os fatos, que são objetivos, estão esparramados a nossa frente. Será útil decifrá-los com honestidade e franqueza, para diagnósticos e respostas. Bom o debate provocado pelo importante projeto Julho das Pretas.