Eu quero a vida, sob todas as suas formas. A vida nos é dada de graça. Simplesmente nascemos, sem exigências de um imposto prévio — logo depois, sim, eles começam pra valer. E aqui estamos. Qualquer limitação à vida é triste, e temos de cuidar da vida, toda forma de vida, como nos ensinou agora a Romaria de Caravaggio com seu tema — Vida que Cuida da Vida! A vida é um jogo, o reality primordial. Minha mãe lembrava um ensinamento toda vez que chegava a hora de tomar uma decisão: “Olha bem que jogo é jogo”, me dizia. Sempre lembro dela falando isso. Queria dizer que a vida tem regras, e que confrontá-las tem seu preço.
Existe uma máxima popular: “o jogo só termina quando acaba”. A imagem dos 45 do segundo tempo é muito usada de forma figurativa. Até lá, tudo pode acontecer. Esta semana, duas experiências corriqueiras reforçaram esse ensinamento. Na terça-feira, a sessão da Câmara, que acompanho, entre outras coisas, por dever de ofício, se arrastava para seu final, no espaço chamado “pequeno expediente” — os “finalmente”, diria Odorico Paraguaçu —, e tive o ímpeto de encerrar o acompanhamento quando, na última intervenção, um vereador fez um comentário importante, de utilidade jornalística. Dois dias depois, lia uma entrevista da escritora caxiense Natalia Borges Polesso ao portal Uol quando, espremido pelo tempo, pensei em deixar de lado a última resposta. Pois lá havia um ensinamento e um alerta preciosos. Nas duas vezes, lembrei do jogo que “só termina quando acaba”. Vá até o fim. Em tudo.
Uma das passagens mais sublimes deste ano foi a experiência do prefeito de São Paulo, Bruno Covas. Enfrentando uma doença terrível, ainda nos últimos dias de vida, foi até o fim cuidando de complexas questões da maior cidade da América do Sul. Não recuou nem se vitimizou. Enfrentou a realidade posta à sua frente com lucidez e discernimento emocional raros. Combinou essa exigência com outra prioridade, de cuidar dos últimos momentos com o filho de 15 anos. Impossível não se comover e refletir diante da vivência que nos ofereceu Bruno Covas, que se foi aos 41 anos.
Na igreja da qual faço parte, havia dois respeitáveis anciões que conversavam perto de mim, veteranos nas questões da espiritualidade e das relações com o divino. Um deles disse ao outro: “Vou, mas vou sob protesto.” Conversavam sobre a morte. Pois essa frase era uma homenagem à vida, ao sagrado. Vida que nos é dada de graça, todas as formas de vida, das quais devemos cuidar com zelo. Bruno Covas ensinou como cuidar até o derradeiro instante. Emocionante.