Agnaldo Timóteo participou de minha iniciação musical. Era metade dos Anos 60, que mais tarde se revelariam, à criança da época, anos obscuros ao entendimento. E a potente voz de Timóteo transbordava do rádio maior, ligado na tomada de luz, que ficava na cozinha na casa de minha avó, assim como no rádio à pilha lá de casa, de meu pai, naquele tempo chamado "portátil". O sucesso de Timóteo da época era Os Verdes Campos de Minha Terra, canção que ficou na memória, apropriada àquele "vozeirão". Timóteo, que se foi semana passada, mais uma vítima da covid, era contemporâneo de outros cantores, como Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Ronnie Von e, claro, Roberto Carlos. Ou ainda Chico Buarque, que cantava A Banda, um estrondoso sucesso da época.
Eram as primeiras músicas que o menino ouvia, e fui sendo incentivado a cantarolar as canções, acostumando-me a ouvi-las diariamente nos programas da tarde da única emissora de rádio AM da cidade, que aprendi a aguardar com alguma expectativa para ver quais músicas iriam tocar, anunciadas por um comedido apresentador. Esperava especialmente o programa das 4 às 5 da tarde na Rádio Alegrete, destinado a reproduzir os sucessos de então, que era identificado pelo interessante nome de "Peça, Ofereça e Ouça". Assim eram as cidades do interior. Você pedia a música, por meio de uma cartinha pelos Correios ou levando o pedido presencialmente até o balcão da emissora, oferecia a alguém, o que certamente embalava alguns romances, e era só ouvir.
A perda de Agnaldo Timóteo fez destampar a memória. Esses detalhes da existência estão lá empilhados, e esses momentos têm a abençoada capacidade de remexer neles. Não foi só o passamento de Timóteo. Na quinta-feira, tombou uma árvore na Pinheiro Machado, no meio do trânsito. Era um cinamomo extraviado na cidade de pedra. Um cinamomo, a árvore de minha infância, das frutinhas verdes que não tinham lá muita serventia, mas que a imaginação dava jeito de aproveitá-las em brincadeiras. O cinamomo era uma espécie popular e numerosa naquela Alegrete de chão batido. Nos dois terrenos da esquina ao lado de casa, havia frondosos e inesquecíveis cinamomos, a oferecer galhos reforçados que nos permitiam subir em árvores para ver o mundo lá de cima. Aquilo era uma descoberta a cada dia. Debaixo deles, nos deixávamos ficar com os amigos da turma. Aqueles cinamomos foram testemunhas imóveis das brincadeiras e partidas de futebol no campinho pedregoso. Nossos companheiros de infância foram derrubados anos depois, sem nenhuma solenidade, para dar lugar a prédios comuns, e nem ficamos sabendo.
Muitos detalhes da infância. Que bom revisitá-los, reorganizar lembranças, personagens e afetos. Gatilhos da memória podem surgir a qualquer momento. Aproveite cada oportunidade.