“Quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo.” Roberto Carlos não faz força para cantar. Sua voz vai saindo melódica, com as entonações e pausas certas e necessárias, desde que pronuncia esses versos, os primeiros versos de todos os seus shows. E, a partir daí, em uma sucessão de canções, uma após a outra, capazes de emocionar. Em determinado momento, Roberto parecia ser mais do mesmo, como sugere a música, sempre a mesma, que abre suas apresentações. Mas ele alçou-se a uma condição superior por preservar sua crença e identidade artística, pela extrema qualidade de seu trabalho e dos profissionais que o acompanham, pela fina sensibilidade, atenção e respeito ao público. Confirmou-se como rei, quase um “mito” de verdade para quem acompanha sua trajetória. Roberto Carlos sabe que é exemplo e assume essa condição, como agora, ao pedir distanciamento dos fãs ao fazer 80 anos.
Existe o que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira-lata”, um sentimento coletivo de baixa autoestima e inferioridade dos brasileiros, que é revertido pontualmente por algumas condições muito especiais, algumas performances, desempenhos e protagonismos. Como Roberto Carlos e a urna eletrônica, por exemplo. A urna é uma rara condição estrutural do que fazemos bem feito, modelo para o planeta, ainda que alguns insistam em desconfiar. Já Roberto tem reconhecimento internacional, capaz de domesticar e fazer recolher-se, ao menos temporariamente, o nosso complexo de vira-lata.
Falando em realeza, a britânica também se assume como exemplo, quando consegue. Pelo menos dá demonstrações, como agora, no funeral de Philip, príncipe e marido da Rainha Elizabeth. Apenas 30 pessoas participaram dos atos do funeral. Está certo que a cerimônia de despedida deu-se no reservado espaço da capela do Palácio de Buckingham, mas a preocupação com o distanciamento social em tempos de pandemia ficou evidente. A família real resistiu à tentação de popularizar o ato e os ingleses evitaram aglomerar-se. O exemplo veio de cima e, quando isso acontece, ele costuma ser poderoso.
Exemplos na pandemia, porém, faltam em nosso país, a começar por nosso líder maior. Apesar dos esforços de infectologistas, cientistas e profissionais da saúde, temos – governos e população – feito misérias na pandemia, que tem desnudado a falta de empatia geral. É mais fato do que complexo. A consequência de nossas ações de desapego e desvalorização da vida são quase 400 mil perdas antes da hora. Esta é a tragédia, encarada como banal e natural – afinal, todos morrem um dia, é o que se diz. Esses que perdemos antes da hora já não estão mais aqui para dar sentido ao verso inicial dos shows de Roberto. Mas vale o ensinamento do rei aos 80, de que é hora do exemplo, do distanciamento, de vacina, de cuidar da vida.