Normal passou a ser e ainda é dessas palavras proscritas, condenadas à execração pública. Muito empregada, ou empregada sem maiores precauções ou embaraços ao longo de anos, em determinado momento da ascensão do politicamente correto desgastou-se perante parte do público, que passou a contestar: não existe o normal. Ou por outra, o normal passou a ser encarado como vilão, por sugerir que tudo aquilo que era tido como antagônico ou diverso ao normal, em alguns casos designado como “anormalidade”, carregaria uma carga patológica injusta. Além do que, certas “normalidades” aparentes podem servir para esconder muita coisa. O normal reserva com frequência suas anomalias, e o suposto “anormal” tem sua riqueza única, singular, sem fim. Portanto, esse significado intrínseco para normal e seus antagonismos inerentes, na prática, deixam de fazer sentido. Por isso o desgaste.
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Ainda por cima, a palavra normal passou a carregar uma carga de preconceito e acabou por assumir, de forma imprópria, significado conflitante com “diferença”, uma das palavras mais veneradas de nossos dias – justamente venerada, aliás, por valorizar a diversidade de tudo, de expressões a formas de pensar, de ser, de existir. “Normal” e “diferença”, porém, estão mais para designações complementares do que conflitantes.
O fato é que existe um senso comum para a palavra normal, e ela tem um conteúdo próprio válido, porque, afinal, existe um padrão de referência para a sucessão dos acontecimentos e procedimentos cotidianos.
Pois agora, não bastasse a polêmica em torno da palavra normal, estamos às voltas com o “novo normal”. O “novo” é uma solução e um problema. É desejável, tem força, “o novo sempre vem”, ao proporcionar acréscimos de renovação e inovação. Agrega valor, é indiscutível, mas também pode servir para mascarar velhos hábitos e comportamentos, sob a capa do “novo”.
Então, esse “novo normal” passou a designar uma série de novos procedimentos, métodos e funcionalidades, especialmente aliados à tecnologia e à higiene, ferramentas de trabalho e convivência a que tivemos de recorrer diante da exigência de distanciamento na pandemia. Muitos deles valiosos, que agregam valor, e isso é o que deve caracterizar o “novo normal”: o que agrega valor, possibilidades, alternativas.
Alguns mais afoitos chegam a afirmar que o mundo nunca mais será o mesmo. Que medo! Será, sim, em boa parte, e tomara seja. Não será o mesmo em alguns aspectos, quando agrega, e isso é bom. Mas o “normal” anterior, aquele dos encontros, da convivência, do abraço, do olho no olho, das celebrações e boas aglomerações, esse é bom ter de volta, assim que possível.
Seja como for, além dos acréscimos que introduziu, esse “novo normal” acabou resgatando de alguma forma a tão desgastada palavra “normal”. Veja só!