Não quero olhar para frente ao iniciar a última crônica do ano. Quero olhar para trás. Existe uma neurose entre nós de que olhar para trás é perda de tempo, de que devemos é correr atrás do que vem por aí. É uma visão utilitarista e apressada, que confunde o que ficou para trás com quinquilharias. É necessariamente sobre o que ficou para trás, com diagnósticos, reflexão e aprendizado adequados, que iremos construir algo sólido, com algum fundamento.
Não quero olhar para frente, portanto, ainda mais em 2019, um ano que deixou marcas sentidas. 2019 foi excepcionalmente terrível: Paraisópolis, a menina Agatha, o ataque ao carro do músico e sua família no Rio de Janeiro, o desabamento dos prédios na Muzema, o Ninho do Urubu, o atirador que entrou na escola no interior de São Paulo, os massacres de presos em Amazonas e Altamira, Brumadinho, os incêndios na Amazônia e as manchas de óleo no litoral brasileiro precisam nos dizer alguma coisa. Centenas de mortos, combinadas com agressão à natureza. Permitimos tudo isso. Não é possível olhar para frente, em homenagem a quem ficou pelo caminho.
2019, porém, nos brindou com uma novidade essencial, um sopro de boa notícia. Chama-se Greta Thunberg, a adolescente sueca de 16 anos, em quem tantos viram uma “inocente útil”, um joguete ao sabor de interesses maiores. Pois Greta está acima disso, dá de ombros a que lhe chamem de “pirralha”, essa visão que não imagina mais adolescentes e jovens como protagonistas. Em outros tempos foram, agora fazia tempo. Não é possível falar de 2019 sem mencionar Greta Thunberg. Foi o que de melhor aconteceu. Greta toca na ferida, questiona nosso modo de vida, que, a bem da verdade, todos sabem que é insustentável, inclusive quem a critica. Além dessa questão do conteúdo, Greta oferece um acréscimo adicional: ela ressuscita os jovens como protagonistas, diante de temas que têm a ver com a realidade, com todos nós. Quanto tempo fazia! Também a partir do surgimento de Greta podemos construir o que vem pela frente, ainda bem.
Agora sim, podemos olhar para frente. Então vemos 2020, os Anos 20 inteirinhos por construir. E já que falamos em protagonismo dos jovens, há uma conexão necessária entre a realidade que nos chegou até aqui e o futuro que precisamos construir: os sonhos, não apenas de caráter individual, mas aqueles que podem fazer a realidade melhor. “A saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi”, na síntese poderosa de Renato Russo. Perdemos o jeito, mas sonhos generosos, é só querer. E correr atrás.
Sonhe generoso em 2020.