Duvido que houve algum escárnio maior contra os gaúchos recentemente do que o agora já famoso edital dos cinco Audis para o Tribunal de Justiça do Estado. Parabenizo o bom gosto para a compra de, repito, CINCO modelos A4 S Line híbridos – reparem a preocupação com um modelo menos poluente e alinhado com o extermínio dos danosos combustíveis fósseis (sim, estou sendo irônica). Eu mesma rica fosse pagaria de bom grado R$ 358 mil por um carro desses: lindo, seguro, confortável, potente.
Gastar dinheiro público para o luxo da alta cúpula do Judiciário não é crime, mas é no mínimo um desrespeito com os cidadãos pagadores de impostos. Flagrados nesse gasto nababesco, veio a infame nota para a imprensa dizendo que “Não havia no edital a exigência de que os carros fossem da marca Audi”. Aí já temos o primeiro deboche ou, no mínimo, a certeza de que basta usar meia dúzia de termos técnicos e o povo acaba deixando pra lá, subestimando nossa inteligência.
Não é bem assim: no tal edital, havia algumas especificações muito detalhadas e que só poderiam ser cumpridas por modelos específicos de marcas como BMW, Mercedes Benz e Audi: distância entre eixos de 2.820mm, comprimento de 4.760mm, largura de 1.846mm, altura de 1.400mm. Nenhum contribuinte é tão burro e ingênuo para não perceber como usaram o sistema e a burocracia que nos assolam para conseguir o exato benefício luxuoso que almejavam.
A nota afirma também que “há ainda o cunho social do propósito, com a doação dos atuais veículos da Administração a órgãos públicos e entidades beneficentes e assistenciais”. Que veículos são esses? Carros como um Kia Cadenza e um Ford Fusion com 10 anos de uso e que certamente darão muita despesa de combustível, seguro e manutenção à coitada da entidade beneficente que ganhar esse “presente”.
Mas o que realmente me tirou do sério foi o final da nota que diz “os recursos são próprios do Judiciário”, como se a fortuna que sustenta a casta privilegiada da alta cúpula caísse magicamente dos céus. Alguém precisa avisá-los de que se trata de recursos próprios que não são deles, são dos contribuintes. Esse total de R$ 1,79 milhão não pertence ao Judiciário, ele saiu do meu bolso, do bolso dos leitores, do cinto apertado de todos nós extorquidos por uma máquina estatal inchada e ineficiente.
Se o que pagamos em impostos realmente cumprisse o ciclo a que se destina e voltasse para o bem da sociedade, esses quase dois milhões de reais seriam investidos em escolas, em estruturas comunitárias, em melhorias na segurança nas ruas para todos. Só que esse dinheiro estará transportando pessoas que, sem dúvida, estão completamente descoladas da realidade do estado e acham normal usar o dinheiro público para garantir privilégios. O sistema, a legislação e a falta de bom senso das nossas autoridades permitem esse tipo de coisa. Ao menos ainda podemos nos indignar. Do jeito que a coisa anda, em breve, nem isso será possível.