A primeira bomba atômica foi testada em 16 de julho de 1945, no deserto de Los Alamos, onde ficava a base secreta do Projeto Manhattan. O líder do projeto, o físico Robert Oppenheimer, assim descreveu esse momento histórico anos mais tarde numa entrevista à televisão:
“Sabíamos que o mundo não seria mais o mesmo. Algumas pessoas riram. Algumas pessoas choraram. A maioria ficou em silêncio. E eu me lembrei de um trecho do texto sagrado hindu Baghavad-Gita. Vishnu estava tentando persuadir o príncipe de que ele deveria cumprir com seu dever e, para impressioná-lo, assume a forma com múltiplos braços e diz ‘Agora me tornei a Morte, a destruidora de mundos. Suponho que nós todos pensamos assim, de um jeito ou de outro.”
Graças ao filme que estreia nesta quinta-feira, Oppenheimer e sua criação “destruidora de mundos” são hoje tema de vários artigos e reportagens na imprensa e de debates nas redes sociais. Percebo que, infelizmente, há uma geração inteira que pouco sabe sobre esse ponto crucial da história da humanidade e, o mais importante, seu contexto. O Projeto Manhattan reuniu as mentes mais brilhantes dos Estados Unidos e vários cientistas europeus que se refugiaram em território norte-americano, muitos deles judeus, para fugir dos nazistas. Acredita-se que, se esses cientistas estivessem nas mãos de Hitler, a Alemanha teria conseguido criar a bomba atômica antes e, sem dúvida, o mundo em que hoje vivemos seria muito diferente (e pior).
Entre os estudiosos e aficionados pela história da Segunda Guerra Mundial, sempre há um debate acalorado sobre o tema. Era necessário mesmo que, cerca de 15 dias depois do teste no deserto, os EUA utilizassem esse novo armamento em Hiroshima e repetissem o ataque em Nagazaki? É fato que em julho de 1945, com a Alemanha já rendida, o Imperador japonês Hirohito se recusou a assinar a rendição proposta pelos EUA. A bomba atômica foi usada para aterrorizar os japoneses e forçar o fim da guerra, evitando que as tropas aliadas invadissem o Japão resultando na morte de um milhão de soldados e outros tantos civis. Há quem discorde e afirme que seria possível terminar a guerra de outro jeito. Eu, particularmente, duvido: a guerra no Pacífico se estenderia por mais alguns anos causando mais mortes, mais caos e mais destruição que as duas bombas.
Oppenheimer não poderia ter escolhido uma referência literária e mitológica melhor do que Vishnu e sua personificação da Morte, assim, com letra maiúscula. Muitos mundos morreram lá no meio do deserto quando uma criação humana mostrou que tinha o poder de um deus: principalmente, foi extinto o mundo em que éramos inocentes e achávamos que só um deus justo e soberano poderia decidir quando e como seríamos extintos. Desde 1945, tal poder supremo recai sobre homens falíveis, imperfeitos, rancorosos ou, com sorte, corretos, sábios e ponderados. Que século estupendo – e assustador – foi o Século 20! E tudo o que vivemos hoje, de certa forma, é apenas resultado daquele 16 de julho de 1945 e da mente genial de Robert Oppenheimer.