No último final de semana, participei do 12º Congresso Internacional da Abrates, a Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes em São Paulo. Como não poderia deixar de ser, um dos assuntos predominantes das palestras (inclusiva da minha no sábado) foi o impacto do ChatGPT, da tradução automática neural e da inteligência artificial no mercado.
Há poucos dias, li a notícia de que uma máquina conseguiu traduzir escritos em acádio, a língua mais antiga que se tem registro, diretamente para o inglês com altíssima precisão. A empreitada foi liderada por uma equipe de arqueólogos e cientistas da computação israelenses usando uma inteligência artificial desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Tel Aviv. Existem centenas de milhares de textos acádios escritos em tábulas de argila que falam da história, da política, da sociedade, da economia e da ciência da Antiga Mesopotâmia, mas pouquíssimas já foram traduzidas. O motivo: faltam recursos e profissionais especializados para traduzir os textos que em sua grande maioria estão fragmentados, o que levaria muito tempo para concluir a tradução de poucas linhas. Contudo, com o uso da inteligência artificial o processo é mais ágil, mais rápido, mais eficiente e mais barato.
Obviamente que a tradução automática ainda precisa de certo refinamento por parte de linguistas, numa colaboração homem-máquina. O futuro dessa área me parece óbvio: a máquina fica com a tarefa mais “mecânica”, digamos assim, e os humanos (tradutores, editores, revisores, redatores) se ocupam em deixar o texto com uma linguagem mais adequada e agradável à leitura por outros humanos. Diante de fatos como esse, lembro do CEO da Innovate Israel, Itai Green, citado na coluna da Giane Guerra há alguns dias: “A I.A. (inteligência artificial) não vai substituir você. Alguém que usa a I.A. substituirá”. E isso não vai acontecer só com tradução, mas com inúmeras e diversas áreas de atuação profissional.
Ainda lá no congresso, percebi que negócios que antes se chamavam de “agência de tradução e de localização” agora se apresentam quase que unicamente como “empresa de serviços linguísticos” oferecendo serviços bem mais abrangentes e quase que totalmente amparados pela eficiência das máquinas. Enquanto a função de tradutor vai perdendo espaço, surgem cada vez mais postos de uma novíssima profissão, a de pós-editor, que faz essa ponte entre o texto que sai do processamento da tradução automática e o texto que será publicado e lido depois.
A diretora de uma empresa estava apavorada com o fato de que, muito em breve, não haverá profissionais suficientes para ocupar essa função porque as faculdades e universidades não formam pessoas capazes de lidar com essa tecnologia. De novo – e esse é um assunto recorrente nas minhas colunas –, percebe-se o quanto o meio acadêmico está completamente descolado da vida real e de suas demandas. Pior: quantos jovens hoje estão gastando uma fortuna em mensalidades para se tornarem obsoletos antes mesmo de estarem com o diploma em mãos?