Há uma música da banda de rock norte-americana REM que diz “It’s the end of the world as we know it” - “É o fim do mundo como nós o conhecemos”. Eu tive essa sensação algumas vezes na minha vida diante da morte de pessoas que eram referência para mim.
Neste mês de setembro, duas mulheres que me inspiravam se foram, e a familiar sensação de um mundo que desaba aos poucos retornou. Primeiro, fui me despedir da dona Honorina Bianchi Susin. Ainda na infância me lembro de ver a dona Honorina com seu chapéu e a sporta de palha trançada (peças de artesanato típicos da cultura italiana) em frente à loja de produtos agrícolas da cooperativa da minha cidade. Dona Honorina ficou viúva cedo, criou 11 filhos sozinha em sua propriedade rural na bela linha Riachuelo aqui em São Marcos, era um símbolo de força, garra, independência, coragem e disposição. Ela adorava as cantigas italianas, adorava conversar e contar histórias, era devota de Santo Antônio e do Menino Jesus de Praga.
Muitos anos mais tarde, a dona Honorina foi a principal entrevistada para minha pesquisa de mestrado sobre a resistência da literatura oral entre os descendentes de imigrantes. Para vocês terem uma ideia do tesouro imaterial que ela própria carregava dentro de si, essa senhora sabia de cor uma canção chamada Dona Lombarda, cujos primeiros registros remontam à Idade Média na Europa. Uma cantiga medieval como essa é como se fosse uma obra de arte passada de geração em geração e que se conserva apenas no museu da memória dos mais antigos. Os imigrantes e seus descendentes aqui no Brasil guardaram esses versos por mais de um século sendo que, lá na Itália, praticamente foram esquecidos. Por isso, a grande mulher que foi dona Honorina era para mim – e para a comunidade – um patrimônio, um monumento. Que honra e que privilêgio tê-la conhecido.
A outra grande mulher que se foi nem precisa de muitas apresentações: aos 96 anos, a Rainha Elizabeth II – chamada no parlamento britânico de Elizabeth, a Grande – partiu. Entre as polêmicas e controvérsias sobre a monarquia e o Império Britânico (a maior parte apenas birra e discursinho de guerrilheiro juvenil de rede social), ninguém vai jamais apagar o fato do que ela representou no Século 20. Se teve alguém que enfrentou fascistas e nazistas foi a jovem princesa Elizabeth durante a Segunda Guerra Mundial, quando serviu como mecânica de veículos da Cruz Vermelha. Além disso, com sensatez e dignidade, conduziu o Reino Unido à modernidade, serviu de instrumento para apaziguar os ânimos exaltados dos atritos entre antigas colônias e entre seus vizinhos europeus. Perfeita não era, ninguém é, mas para mim foi um exemplo de força, de disciplina e de senso de dever.
Duas edificações gigantescas desapareceram do mapa da minha cidadela de referências. Dois monumentos que restarão na minha memória enquanto o mundo que sempre conheci vai desaparecendo pouco a pouco.