A carioca Lara Sales Vieira está há cinco anos em Caxias do Sul. A temporada que era para ser curta em função de uma consultoria para o Pompéia se tornou o maior desafio de sua carreira, já que a administradora hospitalar e nutricionista foi convidada a ficar na cidade atuando como executiva do hospital. Há dois anos, se tornou a CEO deste ecossistema de saúde, assumindo um posto que não era renovado há três décadas, e em plena pandemia.
A CEO do Pompéia tem MBA Executivo em Saúde e formação em Governança Corporativa pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), mas foi a carreira desenvolvida por mais de 20 anos em empresas de grande porte no segmento de saúde, tais como Rede D’Or e Amil United Health Group, que a credenciou para comandar o hospital que fatura anualmente cerca de R$ 250 milhões.
Com experiências anteriores na iniciativa privada com foco em expansão e, portanto, com recursos de sobra para administrar, Lara vive sua primeira experiência no chamado terceiro setor, com caráter filantrópico, e com o desafio de tornar o hospital ainda mais eficiente para equilibrar suas contas.
Da reforma de leitos à finalização de novos prédios, passando por investimentos em novos equipamentos de diagnóstico, além de planos de ser o primeiro hospital da Serra com cirurgia robótica, Lara comenta, a seguir, um pouco da história que construiu até aqui e o que vem pela frente. Confira a entrevista:
Como uma carioca resolveu trocar o mar pela serra?
Na verdade, eu vim fazer uma consultoria. O hospital, na época, estava com 105 anos e queria revisitar seu modelo de gestão, pensando na sustentabilidade e em governança. O objetivo era preparar o hospital para uma sucessão, visto que a a mesa diretora estava há quase 30 anos. Era trazer ideias novas, trazer conceitos para inovar. E foi isso que fizemos, tornando cada vez mais o Pompéia uma referência na alta complexidade com melhores resultados assistenciais para que a gente pudesse ter uma amplitude maior, sobretudo na saúde suplementar, que, na verdade, é de onde vem o equilíbrio do público e privado. É o que garante a sustentabilidade das organizações filantrópicas e a gente veio com essa pauta, com essa agenda, com esse compromisso de trazer boas práticas de governança corporativa. Eu vim de instituições em que essas práticas são muito sólidas, são muito presentes no modelo de gestão da organização e esse era o objetivo. Hoje a gente tem vários projetos, tem um posicionamento enquanto cidadão corporativo, agregando valor, não somente na prestação de serviços de saúde, mas gerando 2,2 mil empregos entre diretos e indiretos. Temos projetos de sustentabilidade, temos uma estação onde a gente devolde todos os nossos efluentes de forma tratada para a rede de esgotos. Fomos o primeiro hospital da região a comprar energia em mercado sustentável, de fontes renváveis. Mais de 85% da nossa energia consumida vem de energia solar ou eólica. E temos vários outros projetos de inclusão social, de jovens menores em que a gente capacita essa população para o mercado de trabalho, tendo o Pompéia como um celeiro. Na nossa escola também, com bolsas, com projeto de inserção social...
A vinda da Lara para Caxias muda a condução que se tinha do hospital, mas também representa uma mudança na carreira de alguém que trabalhava em consultoria e que passa a atuar diretamente no negócio. Como foi essa transição de carreira?
Eu vim do grande mercado do Rio de Janeiro e de São Paulo, que é consolidado na medicina privada, para trabalhar no terceiro setor. Foi por uma vontade profissional de entender que poderia contribuir de alguma forma. É uma ideia que me agrada muito porque a gente, obviamente, tem de pensar na empresa como sustentável, até mesmo porque são 1,6 mil famílias. Me atraiu a possibilidade de agregar mais para a sociedade e isso é muito presente nesta cultura local. É algo que o Pompéia tem a fazer a mais do que o papel dele como prestador de serviço de saúde.
E como é sair de uma realidade de forte expansão de grande redes, com muitos recursos, para um novo cenário em que você tem de fazer uma ginástica orçamentária?
Nos últimos cinco anos, isso efervesceu. De fato, saímos de recursos fartos para escassos. Esse é o desafio e isso é o que apaixona a gente, que é conseguir remodelar uma empresa de 110 anos. Acabamos de relançar a marca Pompéia e queremos consolidar cada vez mais a ideia de um ecossistema em que o paciente entra aqui e consegue ter todas as suas soluções. Uma empresa dinâmica, moderna e que pensa em entregar solução em saúde para uma comunidade que não tem acesso a toda tecnologia que existe em grandes centros. Então, o desafio era esse, trazer novos equipamentos, trazer novas tecnologias, trazer medicina de precisão, inovar no modelo de gestão, garantir uma assistência mais segura, resultados mais controlados e agregar mais valor à saúde e à vida dessas pessoas.
Quando olhamos para os números do Pompéia, percebemos que administrá-lo é quase como comandar uma pequena cidade. Fazendo essa analogia, qual é o tamanho do teu orçamento de “prefeita”?
Hoje a gente tem, em média, 3,5 a 4 mil pessoas circulando no hospital por dia. Nós entregamos 51% da produção que é feita ao SUS na região. Isso por si só já movimenta grandes orçamentos. O nosso é tripartite, ou seja, vem da união, Estado e município, e também da fonte de saúde privada que a gente atende aqui. Em média, circula no Pompéia, com certeza, mais de 50% de tudo da saúde pública que é investido dentro do município de Caxias do Sul. É na ordem, por ano, de cerca de R$ 250 milhões o faturamento como um todo do hospital. E, obviamente, que a gente tenta fazer o equilíbrio entre o déficit que o público deixa e o superávit que o privado nos permite ter. Esse é o desafio. O reposicionamento de marca foi também para mostrar a importância do Pompéia deixar de ser aquele hospital entendido apenas como comunitário, do município ou do Estado, um hospital público, para ser uma entidade privada que precisa ter investimentos, que precisa continuar sendo sustentável, que precisa continuar sendo robusta no seu modelo, para justamente fazer esse equilíbrio.
Também existe muito tabu quando se fala em produtividade na área da saúde, porque se pensa muito nessa palavra na área da indústria. Como ela impacta no atendimento?
Ela resulta em atendimento melhor e na economia como um todo. A gente fala hoje de turismo médico, em que a gente atrai pacientes que não são de Caxias do Sul, que não são do Estado. Então, isso movimenta ao nosso redor, a hotelaria, restaurantes, o comércio, os empregos indiretos e toda a a cadeia que precisa trabalhar para abastecer a saúde, como materiais e medicamentos. Se a gente não cresce com isso, a sustentabilidade do hospital fica em risco. E isso é uma coisa importante. Então, a gente tem crescido muito na oferta de serviços, tem crescido muito no volume deles também para a saúde suplementar, não só para saúde pública, e é dessa maneira que a gente pretende se consolidar cada vez mais no mercado. É oferecendo novas tecnologias, medicina de precisão, para que a gente tenha essa produção mais elevada e esse reconhecimento que já temos hoje em toda essa região.
Como a tua experiência de ter atuado em grandes centros, de estar em entidades representativas em nível nacional, ajuda o hospital a virar referência além da Serra?
É isso que a gente está buscando e conseguindo consolidar. Hoje, em algumas especialidades, como a Urologia, e a Cirurgia Geral, o Pompéia já tem uma amplitude nacional. Eu já tenho aqui pacientes vindos de grandes regiões, do centro do país, do Brasil inteiro, buscando essas especialidades como referência pelo diferencial dos nossos médicos, do que a nossa equipe tem conseguido entregar. A ideia era exatamente essa, a gente trazer a experiência no modelo de assistência, atendimento e gestão, para conseguir ter essa amplitude e imagem.
O que está sendo discutido de tendências para o futuro dos hospitais filantrópicos?
Hoje o Pompéia ocupa cadeira cativa na Confederação das Misericórdias do Brasil, que é a confederação que congrega todos os 1,8 mil hospitais deste tipo no Brasil. Nós fazemos parte do conselho consultivo do grupo dos 120 maiores executivos do país da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). O Pompéia é um hospital privado, porém sem fins lucrativos. E o futuro dos hospitais filantrópicos, acreditamos, que é a formação. Nós formamos 50 especialistas por ano, fora a nossa escola técnica. O Brasil hoje tem uma grande carência na formação de recursos humanos destinados para saúde, sobretudo especialistas, como a gente forma aqui na terapia intensiva, na oncologia, na clínica médica, na cirurgia geral. Temos uma escola de formação técnica voltada para a saúde, esse também é um papel nosso na contribuição do desenvolvimento humano para a sociedade, em um modelo de gestão, certamente, muito mais profissionalizado, robusto, e que agrega muitos conhecimentos em boas práticas em pautas a serem discutidas pensando na perenidade dessas instituições. Se a gente não tiver essa proatividade, essa dinâmica no nosso modelo de gestão, certamente, a gente não vai conseguir alcançar o sucesso. Então, precisamos ter práticas de eficiência, de boas entregas no atendimento aos pacientes, fazer com que o hospital tenha esse reconhecimento e, certamente, buscar sustentabilidade, perenidade, e sucesso nas suas operações.
Em termos de infraestrutura o que vem pela frente?
Ainda nesse mês e no próximo, nós estamos terminando a instalação de quatro novas máquinas: de mamografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética e um PET-CT, que é o equipamento de diagnóstico ouro para identificar metástases em pacientes oncológicos. Esses equipamentos que nós estamos trazendo, com uma configuração como a nossa e capacidade diagnóstica, ainda não se tem na América Latina. É um grande avanço na medicina de precisão, na tecnologia que a gente está embarcando para conseguir fazer um diagnóstico mais preciso e, consequentemente, um tratamento mais efetivo, que é isso que a gente busca. Em termos de reestruturação, estamos trabalhando as nossas áreas cirúrgicas e a nossa hospedagem ao paciente. A gente traz um conceito de hotelaria hospitalar agregado a toda essa reforma, que é o atendimento. Então, não é só uma nova estrutura, mas é um novo modelo de atendimento e isso é superimportante, porque é nesse atendimento que a gente também tem que ser bem sucedido. O paciente vem no momento mais frágil da vida dele, que é o momento da doença, que é o momento do tratamento de saúde, e a gente está, cada vez mais, trabalhando um tratamento e um atendimento humanizado para esse binômio, o paciente e a família. E tem a nova estrutura que, muito provavelmente, ficará pronta nos próximos 12 meses. Ela abrange dois prédios. Um deles é o edifício garagem, que é um desafio que a gente tem também, porque os pacientes precisam de um estacionamento e a gente está no centro da cidade. E teremos um prédio que será um centro clínico com 14 andares, onde teremos clínicas, como por exemplo: de reabilitação de pacientes cardíacos, neurológicos e politraumatizados. E vai concentrar consultórios e áreas com especialidades as quais já somos referência, como a urologia, traumatortopedia, neurologia e, principalmente, esse novo investimento do Pompéia, que será a cirurgia robótica. A gente ainda não conta com essa tecnologia aqui em Caxias e na região, mas ela permitirá um resultado mais seguro e efetivo para os pacientes em algumas cirurgias, como a do aparelho do homem e nas redutivas, como bariátrica, além das cardíacas. Nós também seremos um celeiro de formação médica para a instrução de cirurgia robótica. Não vamos estar só operando esse novo aparelho, mas também estaremos formando. E seguiremos investindo muito no check up, na medicina preventiva, dentro dessa ideia do Pompéia de ser um ecossistema, ou seja, onde paciente vem tanto para prevenir, quanto para o diagnóstico e tratamento, porque temos todas as soluções para as questões de saúde.