Leticia Balen, 42 anos, assumirá oficialmente o cargo de CEO da Saccaro em junho deste ano. Na metade do ano passado, a tradicional fabricante de móveis da Serra anunciou o processo de sucessão e informou que a profissional da área de Psicologia tinha sido escolhida para comandar a empresa.
Após coordenar a área de Recursos Humanos (RH) da companhia, teve as primeiras experiências na linha de frente da Saccaro em um dos momentos mais desafiadores da empresa do ramo moveleiro com 75 anos: o início da pandemia.
Letícia vai assumir o posto de Ivo Saccaro, filho do fundador da marca caxiense, que vai completar 65 anos. Após mais de 40 anos no comando, ele atuará no Conselho de Administração, com os outros três irmãos.
Antes de assumir a Saccaro, você teve mais de 20 anos de atuação em RH, 15 em uma cooperativa médica. Como essas experiências contribuíram para se tornar uma CEO?
Esta expertise de porta-voz de pessoas serve de base para ter sempre no meu radar pessoas com foco. Porque lidamos com clientes, redes de lojistas e eu tenho uma fábrica feita por pessoas. São elas que vão encantar e realizar o sonho do móvel dentro da casa de outras pessoas. Toda minha base é calcada em relações e foi fundamental para assumir um posição como essa. Ter no radar como gerar valor por meio das pessoas sempre foi meu principal propósito.
No início de carreira, quantas pessoas geria e quantas são hoje na Saccaro?
No meu primeiro ato de gestão, eu tinha 12 pessoas. Na Unimed, eu comecei quando ela tinha 250 profissionais. Quando eu saí, eram 35 na minha gestão direta, e eu respondia por uma estrutura de 2,5 mil funcionários. A Saccaro, enquanto unidade de negócios, tem 270 pessoas. Mas eu respondo por uma rede de franquias mundial que triplica este número. Estou falando de 70 lojas, de toda uma cadeia que representa em torno de 600 pessoas que levam a marca Saccaro pelo mundo.
Há quanto tempo está atuando na Saccaro?
Tenho quatro anos de Saccaro. Entrei como gerente de RH mas nunca me limitei a essa área. Por onde passei, quis torná-la estratégica, e busquei interagir com todos os staffs da organização, seja diretoria seja operação. Não bastava ficar restrita dentro da fábrica e com os funcionários CLT. Eu me demandava, como profissional de pessoas, a agir e atuar com outros públicos. Comecei, ainda no RH, a trabalhar na parte de treinamento e desenvolvimento das lideranças, dos gerentes aos vendedores. Era como uma coach do negócio, da marca. Logo depois foi me dada a oportunidade de atuar junto ao Conselho de Administração e planejamento estratégico. O planejamento era uma vivência que eu já tinha na Unimed, assim como a interação com muitas áreas. É claro que algumas escolas de formação, como FGV, Fundação Dom Cabral e Nortus, me deram amparo para universos que até então eram desconhecidos.
Quando a Leticia chegou na Saccaro recrutava pessoas, mas imaginava que seria recrutada para o mais alto cargo de comando da empresa?
Eu estava auxiliando a buscar executivos para a sucessão, que já estava definida que seria com alguém de fora da família, e eu acabei sendo escolhida como CEO. O processo já existia antes da minha chegada na empresa. Quando me foi solicitado esse suporte, no início de 2019, não estava nos meus planos virar CEO. Meu objetivo era gerar valor nas minhas entregas que, coincidência ou não, era o propósito da Saccaro. A consultoria envolvida na época me acionou para avaliar assumir o comando. E, considerando o cenário que já era conhecido por mim, ficou mais fácil decidir. Eu não gosto de sonhos pequenos, gosto de grandes desafios. Esse foi o gatilho para dizer sim. Não há motivo para temer o desconhecido, buscando preparo com as pessoas certas. E neste sentido me senti segura, porque sempre gostei de me reinventar.
E segurança é fundamental ainda mais por se tratar de uma mulher comandando uma empresa fundada por homens, sendo psicóloga em uma empresa do ramo de móveis, tendo a primeira experiência como CEO e lidando com uma pandemia...
Quando você destaca tudo isso, chego a me arrepiar. Na época em que comecei a atuar na linha de frente, a informação de que eu seria a sucessora ainda era sigilosa. Meu diretor precisou se afastar por um período para cuidar de assuntos pessoais. Não sabíamos que, na semana seguinte, estouraria a pandemia e teríamos que fechar a fábrica. Me senti em alto mar ancorada no querer dar certo e na confiança dele. Em nenhum momento ele titubeou em retroceder na passagem do bastão. Sempre me trouxe, nos bastidores, a coragem e a força, que estavam dentro de mim e ele fazia aflorar. Eu assumi a operação acreditando que seriam por dois meses que viraram 10. O time de gestão, mesmo não sabendo que estava no processo sucessório, me apoiou. E tivemos um grande envolvimento das pessoas, que foi essencial porque em seguida houve um boom de vendas.
Houve a insegurança do mar recuando, mas depois veio a onda de pedidos no setor moveleiro.
Veio aquele silêncio, no mar aberto, mas em seguida veio uma onda de pedidos. Mesmo com lojas ainda fechadas, eles surgiam, e passamos isso de forma transparente para os funcionários. A gente precisava entregar e todas as facilidades possíveis nós criamos para manter o trabalho. Te cito o exemplo de equipes de costura que ficaram em casa, mesmo sendo uma função operacional. Levamos nossas máquinas para dentro das casas dos colaboradores. Distribuímos insumos, fazíamos toda uma logística de recolhimento das peças. Eles se sentiam capazes, incluídos no processo produtivo. Algumas pessoas seguem atuando em casa. É interessante para nós porque traz qualidade de vida. Para todas as funções possíveis, queremos manter o trabalho de forma híbrida. Não queremos o engessamento, o retrocesso de uma atuação 100% presencial.
As vendas estão aquecidas?
A gente recebeu uma demanda de 2021 e 2020 represada. As pessoas não olhavam para suas casas de campo, de praia ou mesmo seu habitat local. Hoje o consumidor continua vivendo a priorização do bem-estar. Estamos ainda bem posicionados, não só no residencial quanto no corporativo, com novos negócios, tudo de forma mais intensa de 2021 para cá. Mas demandas represadas não temos mais.
E como os acontecimentos recentes no cenário internacional impactam os negócios?
A área de exportação é muito importante para nós. Hoje representa 30% do nosso faturamento. Assim, nunca ficamos desassistidos de um mercado ou outro. E vamos expandir para outros continentes, saindo um pouco da América Latina. A gente não tira o pé do acelerador, assim como no mercado nacional. Em outubro, abrimos uma franquia em Brasília. Depois de dois anos sem atuação por lá, voltamos com um modelo disruptivo, uma Saccaro com ar bem moderno e diferente.
Quais os planos de expansão e os lançamentos previstos para 2022?
Temos duas franquias engatilhadas em duas capitais importantes neste ano, que tiveram atuação no passado. Estamos com bastante critérios na prospecção de lojistas porque tem que ser parceiro. Não basta investir, tem que proporcionar uma experiência. Em 8 de março teremos a convenção onde vamos lançar a Carpe Diem, com novos produtos, novos acabamentos para destacar a necessidade de aproveitar cada vez mais o dia. Ela é assinada pelo designer francês Alain Blatché. Queremos resgatar o DNA que traz a trama, o hand made, o trançado como arte, tudo que queremos voltar a despontar. Em junho, vamos lançar outra coleção, a Capadócia, com assinatura do designer Roque Frizzo de Caxias do Sul. E, para setembro, já está no forno a coleção indoor, para ambientes fechados. Estamos com calendário pronto até o final de 2023 com grandes parceiros e empresas ícones no segmento de alto padrão. Buscamos ser cada vez mais internacionais trazendo designers importantes do mercado europeu para assinar coleções, mas somos uma empresa brasileira que sempre valorizou o nosso design e grande parte de quem assina nossas coleções é da nossa região.