A lamentável ocorrência que resultou na morte de José Monteiro Silveira, 34 anos, na noite do último sábado (24), por si só já seria o suficiente para provocar um forte debate sobre a quantidade de pessoas que atualmente habita as calçadas e outras áreas públicas de Caxias do Sul. Além de o homem acusado de ser o responsável pelo assassinato, em princípio, ser morador de rua, um vídeo do prefeito Adiló Didomenico alimentou ainda mais a polêmica.
A situação não é novidade. Qualquer um que tenha circulado pelas ruas nos últimos cinco anos inevitavelmente notou um aumento na quantidade de pessoas espalhadas pelas calçadas. Por mais que não seja uma questão somente de Caxias do Sul, chama a atenção o quanto se desenvolveu aqui, aparentemente à revelia de uma ação mais intensa do poder público, somando-se a um processo mais amplo de degradação da área urbana da cidade.
E é aí que entram algumas inconsistências do que disse o prefeito no vídeo publicado na manhã do domingo. No afã de dar uma resposta à comunidade, chocada com o crime bárbaro, Adiló usou frases de efeito e prometeu agir contra o que qualificou como “elemento que vêm para Caxias e se disfarça de miserável em situação de rua para praticar crimes.” Para mim, esta fala pareceu a confissão de que o município não estava fazendo tudo o que era possível em relação a esta situação.
Pode até ser que o prefeito não tivesse o objetivo de dar essa impressão, mas quem afirma que “até onde a lei nos permitir, nós vamos tomar medidas muito severas”, admite que poderia ter feito essas ações antes, o que talvez tivesse evitado o que aconteceu sábado. De novo, uma postura reativa aos problemas, e não preventiva, algo muito comum na administração pública brasileira. Além disso, o tom do vídeo flerta com o risco de gerar uma reação da comunidade contra moradores de rua, que em sua maioria não são bandidos ou assassinos.
Na segunda-feira, com falas mais comedidas, o prefeito anunciou medidas como um pente-fino nos moradores de rua, com um recadastramento geral e abordagens mais intensas e constantes. Essas ações fazem sentido, mas são apenas uma pequena parte do precisa ser feito para, ao menos, reduzir o problema. A questão é complexa, e um trabalho muito amplo e longo precisa ser feito, pois simplesmente “varrer” essas pessoas de um ponto não é efetivo, e só vai fazer com que, cedo ou tarde, elas se instalem em outro local, repetindo o ciclo que temos visto nestes últimos anos.
Embora a Fundação de Assistência Social (FAS) trabalhe esta questão quotidianamente, realmente há a impressão de que ela não é tratada com a energia necessária. A abordagem e oferecimento de opções para sair das ruas precisam ser constantes, focando no convencimento de que essas pessoas ficarão melhor se aceitarem este auxílio. Além de lugar para dormir e se alimentar, também precisam ser ampliadas políticas de inserção no mercado de trabalho e tratamento para pessoas que estejam na rua por causa das drogas, buscando atacar a causa do que vemos pelas ruas.
Assim, sendo, os albergues hoje existentes são suficientes? E as condições oferecidas, realmente são atrativas para cumprir o objetivo principal, que é tirar as pessoas das ruas? Vai dar trabalho, mas se a cidade que resolver este problema de verdade, precisa pensar em soluções constantes e de longo prazo, sem preconceitos e simplificações.