Resistência. Eis o sentimento que me atravessa no momento em que escrevo esta crônica. Chove lá fora. Chove há dias. Mergulhamos em uma estranha escuridão. As luzes do jardim se acendem às duas da tarde. Parece noite do lado de fora. A realidade tem se tornado, com o passar dos dias, opaca e incompreensível. Pelas redes sociais e relatos que nos chegam, focos de luz resistem em meio às trevas, como um restinho de lucidez que parece cada vez mais difícil de se ter. A escuridão que mais assusta, no entanto, é a humana. É a escuridão da violência, da maldade, do negacionismo. Para além das pessoas que propagam fake news minando as relações e saúde mental de todos, há um número gigante de pessoas que insistem em acreditar sem nem ao menos checar a informação. Há gente que faz comentários preconceituosos de todos os tipos. Há muita, mas muita ignorância e parece que ela subiu junto dos níveis dos rios e invade nossas casas com as mentiras propagadas. Há os que acham que a culpa é das árvores (!). Há os que ao invés de fazer doações, fazem descarte. Nas sacolas de roupas sujas, fantasias de carnaval, saltos altos seguem embrulhadas a estupidez humana, típica de nossa arrogância.
Resistência se tornou a palavra-chave para compreendermos o presente. Vivemos uma atmosfera turva e resistir é uma forma de sobreviver a ela. Assim, é urgente que possamos resistir às enchentes e às inundações da perversidade das pessoas. Resistir ao ambiente mortífero que nos cerca. Resistir é teimar em compreender que é possível fazer diferente. É insistir quando tudo ao redor se transforma num cenário desfigurado e arrasado. É perseverar quando as luzes da civilidade se apagam. Resistir é não resignar-se.
Estamos afundando num abismo muito mais perigoso que o das águas que nos afogam. A distorção dos fatos, a negação das mudanças climáticas, o descaso com o outro e a violência que advém disso, massificam nosso mundo interior. Quase como o planeta achatado pelos terraplanistas. E por mais que a realidade pareça estar sem nitidez, é, impressionamente, como é justamente pela turvação, que o real se mostra. Somos mesmo uma crosta muito fina de educação e civilidade.
Não sobreviveremos se não modificarmos nosso modo de ser e viver na Terra. As mudanças precisam ser profundas e coletivas. Assim, sim, é fundamental rever a relação que estabelecemos com a natureza, desde os grandes empresários do capitalismo quanto nós, que somos quase insignificantes. Quase, porque o modo como nos relacionamos com o meio ambiente vai ditar a vida futura.
Resistência é a única forma de existirmos. Precisamos nos reencontrar, nos unir. Resistir a essa onda nefasta que inverte valores e cansa a todos aqueles que estão fazendo seu possível para a morte se acalmar. Sobreviveremos a estes estilhaços que fragmentam nossos sonhos de um amanhã ensolarado e seco. A Terra é finita, assim como nós, e é preciso abrir mão de nosso narcisismo onipotente, pois do modo como estamos, o futuro é o fim.