Uma dor aqui, outra ali. Um certo cansaço que não passa. Uma alergia. Uma dor de cabeça aliada a um desconforto nas costas. E de repente, mas não tão de repente assim, precisamos cancelar os compromissos porque ficamos doentes. Ouço inúmeras vezes sobre a angústia que é ficar doente e ter de protelar tudo, daí penso, nosso corpo é mesmo nosso maior aliado. Ao contrário do que imaginamos, nosso corpo é bússola, ele aponta para onde precisamos ir quando não sabemos mais o caminho. Nos faz parar justamente quando precisamos. A mensagem chega bem simples, inclusive, de parar tudo para não colapsar.
O Iluminismo e toda sua teoria sobre a razão colocou e, ainda coloca, o corpo em segundo plano, como se a mente tivesse uma importância maior que o corpo. Essa baboseira de que precisamos ser mais racionais que emocionais, como se sentir fosse algo de gente fraca e de pensamento volúvel. Quando na verdade, mente e corpo andam lado a lado. E enquanto nossa mente, muitas vezes, mente, o corpo segue sendo fiel ao que sente.
Nem sempre é nossa cabeça que enlouquece com a vida, às vezes é nosso corpo. Nosso corpo que precisa de tempo para se reorganizar, descanso, paciência e silêncios. Às vezes precisamos nos esvaziar dos futuros. O que iremos fazer amanhã pertence ao amanhã. Não temos toda essa urgência de fato ou importância para ter de dar conta do que será o dia depois de hoje. Mas insistimos nessa emboscada e caímos nela, volta e meia. Vida corrida é arapuca para si mesmo. Daí viramos estelionatários de tempo. Quantas vezes passamos cheques sem fundo para o mês que vem? Mês que vem irei trabalhar menos. Mês que vem ficarei mais em casa. Mês que vem pegarei menos compromissos. Tudo cheques sem fundo soltos na esperança falsa de achar que faremos diferentes só porque desta vez adoecemos. Basta um respiro de saúde e lá estamos nós outra vez nos jogando de cabeça no exagero.
Estamos tão desconectados do nosso corpo que achamos que estaremos vivos para sempre. Por isso temos pressa em nos curar e voltar à labuta. Gosto demais de Spinoza. O filósofo nos ensina que todo afeto passa pelo corpo, numa relação intrínseca e que todo afeto é um modo de saber sobre o próprio corpo. A vida que vive em nós nos quer vivos para vive-la. Até porque todo exagero tem um princípio de autodestruição. Também sou apaixonada pelo meu trabalho, mas tudo tem um limite. E, às vezes, nosso trabalho nos aliena do mundo e de nós mesmos. Daí a ideia de que se adoecemos é porque parte de nós se mantém viva e pulsando, nos dizendo que está doendo viver assim, que é preciso ir devagar, talvez fazer menos. Escutar o lamento do corpo pode ser o começo da mudança.
E, sim, sei que o modo como vivemos é estrutural e mexer em nossos alicerces mais profundos é trabalho de anos. Dias atrás questionei sobre quando o nosso ipê iria florir, ao que me dei conta de minha lógica capitalista de produtividade aplicada à natureza, afinal, tenho 47 anos e nunca dei uma flor sequer.