Há algo no ar que me deixa em suspense. Uma notícia pela metade. Um certo medo. As coisas independem de nós. Chove lá fora e o gato mia ao pé da cadeira. É o real. Ainda é o real. Inicio a escrita. Lembro dos últimos dias de meu pai vivo. Um rasgo de lembrança de seu sorriso me faz sorrir anos depois de sua despedida. Que coisa é isso que se chama morte. Vivemos e um dia partimos. As pessoas, a maioria delas, têm medo de falar sobre isso. Preferem silenciar, não tocar no assunto. É fato que para viver precisamos fazer uma recusa diária da morte. Caso contrário não sairíamos de casa, não planejaríamos uma viagem, não faríamos prestações intermináveis para comprar um carro ou uma casa. É assim mesmo. É também na recusa que abrimos espaço para sonhar. No entanto, recusa jamais foi sinônimo de negação. Negar que um dia não estaremos mais aqui ou que as pessoas que mais amamos não estarão é não viver de fato. O tempo, a vida, os acontecimentos, nosso corpo, tudo, o tempo todo nos devolvem para a frustração de nos sabermos finitos e vulneráveis.
Tem gente que acha que falar sobre isso é ser fraco. Que ser forte é não olhar para a própria vulnerabilidade, quando é justamente o contrário. É ao saber que somos frágeis que aprendemos que só há essa vida para se viver de fato e, por isso, tentar fazer de nós e da vida que temos a melhor possível. Se há outra vida ou não, bem, uns acreditam, outros não, mas não sabemos verdadeiramente, e o não saber nos convida a olhar para o agora. Pois o agora é a única parte do tempo que dispomos. Olhar para isso é uma boa forma de saber o tamanho que temos diante da vida e da morte.
Não tenha medo. Falar sobre a morte e o morrer pode parecer uma tarefa árdua. Mas é preciso que possamos falar deste assunto como falamos dos dias de sol e os de chuva. Mas para tocar neste assunto é preciso tempo e ternura. Não precisamos passar um esfregão de aço em nós mesmos. Pode parecer paradoxal, mas é somente falando da nossa finitude que estaremos livres para viver.
Não importa a altura da casa, ela tem um telhado. Por mais profundo que seja o oceano, ele tem um chão. Se há um início, há um fim. Viver é a grande viagem. Lumi, pequena de quase seis anos como ela mesma insiste em dizer, falou no meio da sala, abraçando a mãe, sinto teu cheiro, mãe. Fico pensando que, sim, a melhor sensação do mundo é sentir o cheiro das pessoas amadas. Tem gente que tem cheiro de casa, de lar, de amor. Cheiro bom de vida. Muito mais importante do que perguntar o porquê das coisas, é o para quê. Para que você trabalha tanto? Para que você guarda tanta mágoa? Para que você ainda espera algo que talvez nunca aconteça? O “porquê” nos remete ao passado, o “para que” nos lança ao futuro.
Todo dia temos a chance de nos inaugurarmos para o mundo. Se estamos feridos, precisamos nos curar. Estamos vivos e, sim, temos nossos colapsos. Mas somos viajantes. Como diz na música de Drexler, voamos como o pólen ao vento, estamos vivos porque estamos em movimento.