Estamos sentados no pico mais alto do ano. Daqui vemos o começo, as esquinas ainda vazias, as caras descansadas, as vontades descobertas. Sabemos que não vai durar muito. Fevereiro chega como despedida. Daqui vemos a descida rápida para o fim. Loucura pensar assim, mas já já é fim de ano outra vez. Atravessamos a vida, carregamos nas costas as contas, as mágoas, as histórias não resolvidas, os livros não lidos. Carregamos a dor da quase perda, os amores incompletos, as amizades desfeitas, as raivas contidas. Estamos no cume do ano, janeiro. Aqui o ar é ainda azul, respirável, embora breve. Sentamos nos ombros de nós mesmos para olhar para o futuro. Não tem como prever como as coisas acontecerão amanhã ou no mês que vem. Não temos controle de nada. Adoecer é descobrir isso no corpo. Jamais bastou o desejo de melhora. Há coisas que acontecem sem que possamos intervir. O tempo tem uma linguagem própria. E mais ou menos dias aprenderemos a apenas deixar ser. Somos passageiros, sempre.
Daqui, de onde nos encontramos, se nos permitirmos olhar sem medo, vamos ver o nascimento e a morte ao mesmo tempo. Caminham juntos verão a dentro. Nada para porque paramos. A vida segue seu curso avassalador. Mas às vezes é preciso parar, não só porque adoecemos, mas para não adoecer. Às vezes corremos demais e perdemos o sentido da busca. É preciso parar para respirar. O que você quer viver é isso mesmo que está vivendo? Tem certeza? Porque só temos esse tempo do agora e ele dura uma fração de segundos diante da eternidade. O tempo não é simétrico e nossa ilusão de viver depois o que deveríamos estar fazendo agora é brincar de fazer sereias em papel e lançá-las à água esperando que sobrevivam.
Aqui ou lá passa o rastro do verão, deixando um sulco no azul dos dias. É domingo, sempre escrevo as crônicas aos domingos, porque há um silêncio que só dura uma manhã. Mas a crônica sai às terças, já enlouquecida pelas tarefas. A leitura torna-se um exercício esquizofrênico. Uma quase cisão entre o hoje e dois dias antes. Um pedaço do domingo em plena terça. Assim seja, da janela de casa vejo vacas pastando e se sair para caminhar, tem ovelhas debruçadas sobre a erva melancólica das horas. Plantas macias trituradas pelas mandíbulas incansáveis. Você não tem medo de ser triturado também? Mastigado pela não-vida que tem?
É pleno verão e as begônias alcançam a janela. Gente nasceu. Gente morreu. Ninguém foi salvo de nada. Os dias ficarão velhos, como alguns de nós. Há dias que respiram com dificuldade. As crianças não brincam mais na rua. E o mundo segue em guerra. À noite as luzes se apagam nas casas como pessoas que desapareceram. E ficamos tristes. Ninguém entende essa matemática dos ciclones da natureza e da vida. O ano começou. Aos poucos descemos do pico. E a vida segue sendo esse poema inacabado que todo ano insiste em rolar escada abaixo.