Faz calor. É verão em Caxias do Sul. Como não temos mar, o que nos salva é o reino vegetal. Em dias assim, quando, apesar do suor, brota uma vontade de tomar chimarrão debaixo de uma árvore, é possível perceber que formamos uma grande comunidade vegetal. Até quem não gosta de árvore, que acha que as folhas são sujeira, se dobra ao frescor de uma sombra bem fechada e aerada. As árvores são um poema verde. É justamente neste vagar que somente o calor proporciona que devaneio e penso em abrir um consultório de poesia. Para que serve? Como diz o poeta Manoel de Barros, poesia não serve para nada. Por isso, é a coisa mais importante que podemos ter. A poesia é o que resiste. É o que vai na contramão da barbárie, da falta de humanidade, da violência, do capitalismo selvagem. É claro que não é para todos. Assim como se diz na psicanálise, que embora a psicanálise seja para todos, nem todos são para ela. A poesia é da mesma categoria. A poesia é insubmissa.
Convenhamos, o ano mal começou e a realidade brutal da maldade humana não dá tréguas. O mundo às vezes é um absurdo. O começo de todo ano traz consigo uma repetição antiga. Primeiro há o desejo, o encantamento, a vontade de mudança, o assombro. São novos projetos, novos valores, novas tomadas de consciência. Um novo com cheiro de velho. Depois começamos a teorizar sobre o possível, vamos percebendo as dificuldades, as fantasias. Para nos darmos conta das dissonâncias, e por fim, das catástrofes. Fazer poesia não é coisa de iludido, alheado, pessoa que vive no mundo da lua. Quebrar o ciclo perverso da sociedade é tarefa de artista. Pura resistência poética.
Fazer poesia é oferecer ao mundo uma fenda, uma urdidura, outra possibilidade. É pensar sobre outras formas de acautelar as dores antes que elas alcancem, de fato, o destino. Pensei num consultório de poesia para juntar gente que gosta de passarinho, de sombra de árvore em dia quente, de palavra diferente, de raiz de flor, de semente, de gato e cachorro. Para juntar gente que está cansada de se apertar na vida somente em busca do fazer. Não somos máquinas, somos pessoas, gentes que sentem amor e angústia. Fazer poesia é ato de nomeação. A gente descobre que a natureza é fugaz, mas as pedras são eternas.
Poesia é a escrita de uma vida. Se esta crônica não faz sentido, lamento, deve ser por causa do calor, escrevo durante os 32ºC de domingo. Leio Francis Ponge, poeta francês, ele diz da necessidade que temos, de quando em quando, sair de nós mesmos. Quem nunca se cansou de si? Fazer poesia é um jeito de ser outro. Quando faço oficinas de poesia, escuto as pessoas me dizerem que poesia nasce do acúmulo. Acúmulo de si ou de experiências ou de leituras. Nada. Poesia surge do resto.
Fazer poesia para drenar as raivas, permitir-se outra narrativa. As árvores nos dão esse frescor no verão, porque contraíram muitos invernos. Um consultório de poesia, penso eu aqui em meio ao calor do fim da tarde, porque escrever sobre o sol é poder frequentá-lo.