Aqui no quintal de casa as lagartas, depois de comerem todo verde possível, se agarraram aos galhos e criaram seus casulos. Observo e penso, uma metáfora de transformação. Sim, meio lugar comum escrever isso, mas real. Para tudo leva tempo e energia. Desejamos tanto mudar, mas às vezes esquecemos que mudança é processo, e processos levam tempo. Fiz um vídeo da lagarta se fechando em si mesma e senti um certo receio se avizinhar. Um medo talvez comum a qualquer humano. Não sabemos lidar com os silêncios. Uma pequena morte para um novo nascimento. Para mudar é preciso silenciar-se, inclusive de si mesmo. Silenciar as inúmeras vozes que não calam a boca dentro de nossas cabeças. Medo que assusta ainda mais quando o silêncio significa estar só. É no breu de nosso interior que nossos fantasmas ganham corpo.
Paro o carro no sinal de trânsito e vejo o artista de rua equilibrando bolas gigantes sem sair do lugar. Que paradoxo me atravessa. Movimentar-se intensamente pode não conter movimento algum. Quanta energia para não se mexer, para manter-se ali, equilibrando pesos, no caso dele, seu objeto de arte, no nosso, a vida. Tanta força para suportar o que mesmo? Lembro de Adélia Prado, que está para lançar livro novo, agora aos 88 anos. Um verso de uma de suas poesias, meu preferido, diz: é preciso fé para cortar as unhas, cuidar dos dentes como bens de empréstimo. Uma hora devolveremos ao mundo essa casa que agora habitamos. Por que será que imprimimos tanta energia em situações, pessoas que talvez nunca farão diferente do que já fazem, enquanto poderíamos investir em nossa própria metamorfose? Transformar-se sem a expectativa de ser isso ou aquilo, apenas permitir-se encasular-se para ver quais cores podemos atingir a cada nova estação.
Prestar atenção à vida (às vidas, poderíamos somar) é o que de fato dá o sentido de realidade. Relaxar da tensão de ter de sermos o que os outros esperam de nós (às vezes somos os nossos maiores credores) rompe com o elástico da exigência. É nesta pequena ruptura, que nos revela a beleza do cotidiano, que podemos devanear, fazer poesia, ouvir uma boa música, construir nossos casulos de sonhos e de paz interna. É nestes momentos que podemos descobrir se podemos ser boas companhias para nós mesmos. Um aprendizado de generosidade para consigo mesmo.
2023 foi um ano muito pesado, difícil, cansativo, acelerado. A vida é também esse tecido apertado. A cada ano que se encerra, fechamos as portas e janelas de uma casa que é devolvida ao tempo. Os meses passados são o chão dessa casa velha cujo piso começava a ceder e as rachaduras ficaram visíveis nas paredes. É claro que se tudo se encerra, nada se encerra de fato. Há uma continuidade em tudo, assim como a lagarta que abandona a luz do dia, porque precisa nascer mais adiante, transformada. Nenhum pecado nos abandona de um ano para outro, seguimos sendo os mesmos. O ano novo nos visita mais uma vez e nos ensina que é preciso aceitar que o presente dói, pois não há metamorfose sem dor, mas que ele também pode ser bom. Como foi.